Um anfíbio raro do gênero Euparkerella robusta que só existe na área do Monumento Natural da Serra das Torres (Monast) está ameaçado de extinção por causa de uma estrada que está sendo aberta pela Prefeitura de Muqui dentro da área de proteção ambiental.
Além dessa espécie, o Luetkenotyphlus, encontrado pela primeira vez em 2019, até então desconhecida pela ciência, é outra espécie que habita o Monast. O monumento engloba os municípios de Muqui, Atílio Vivácqua e Mimoso do Sul.
Estão em risco também o Thoropa cf. lutzi , outra espécie criticamente ameaçada de extinção, que já não é encontrada em outro estado onde era conhecida, o Rio de Janeiro, há cerca de 40 anos.
A lista das espécies ameaçadas não para por aí. A Hydromedusa maximiliani, também rara e ameaçada, e a Micrurus lemniscatus carvalhoi – cobra coral verdadeira, espécie registrada no Espírito Santo pela primeira vez no Monast (embora seja comum no restante do Brasil) também corre sério risco com a devastação provocada pela abertura da estrada.
Outras espécies ameaçadas e raras existente no Monumento Natural da Serra da Torres podem ser conferido no perfil oficial da Unidade de Conservação no Instagram @monumentoserradastorres.
Em junho, por exemplo, foi publicada passagem de dois jovens indivíduos de onça parda no Monast, o que é, segundo os pesquisadores, indicador da qualidade ambiental de todo o entorno.
A denúncia de que fauna e flora estão ameaçadas pela abertura da estrada foi feita pela bióloga e herpetóloga PHD Jane de Oliveira, que coordenou pesquisas na região desde 2008 e afirma categoricamente que a proteção do Monast é primordial para a manutenção das espécies raras.
Mais que isso, ressalta a pesquisadora, é graças ao monumento preservado que as temperaturas das cidades vizinhas são agradáveis e a água na região é abundante.
“Destruir essa floresta será sinônimo de aumento da temperatura, seca, queda na produção agrícola, queda na produção do leite e da pecuária de um modo em geral. Está tudo vinculado. Fala-se em escoamento da produção para justificar a abertura. Com a devastação, não haverá o que escoar”, complementa.
Indignada com as denúncias que recebeu, acompanhadas das muitas fotos que mostram a destruição na área de preservação ambiental, Jane diz que árvores estão sendo derrubadas e que os córregos onde as espécies raras vivem estão sendo assoreados.
Ela diz que as informações que receberam, confirmadas presencialmente pela equipe, que caminhou pela estrada com o GPS ativo (confira imagem), a estrada aberta começa em Muqui e vai até Atílio Vivácqua, cruzando a Unidade de Conservação.
“Estou indignada com matéria que li num jornal de Cachoeiro de Itapemirim há algumas semanas com a resposta da prefeitura. A nota oficial diz que no local já existiu uma estrada há mais de 100 anos. A estrada existia realmente há séculos. Essa e outras que já foram cobertas pela vegetação florestal. Existiam num tempo em que as pessoas tiravam madeira e pedras. Nós que pesquisamos lá desde 2008 percebemos vestígios dessas estradas. A gente sabe delas também pelos moradores mais antigos”, reforça a pesquisadora.
A gravidade da devastação aumenta, destaca Jane Oliveira, porque hoje a área se recuperou, existem riachos correndo (ou existiam antes da intervenção).
“Já existem estradas para acesso dos moradores dentro do Monast. Elas passam por manutenção nos outros dois municípios também após as chuvas. Não cabe essa história de que é para o escoamento da produção e que as árvores foram derrubadas pelos temporais”, enfatiza.
Mais uma vez ela faz questão de dizer que as árvores derrubadas estão em áreas fechadas. Mais que isso, que o vento não derruba árvores em linhas regulares que convenientemente formem uma estrada.
“É impossível que o vento ou a chuva tenham derrubado uma infinidade de árvores em linha regular dentro de uma floresta fechada. Temos centenas de fotos que provam que as árvores foram derrubadas, mas não como um fenômeno da natureza”, frisa.
E diz mais. Essa estrada liga uma propriedade à outra. Quantas famílias ou pessoas serão beneficiadas de fato? Entende que essa é uma pergunta que precisa ser feita pelos órgãos de fiscalização e controle.
“E em caso de multa, quem vai pagar? O prefeito ou a prefeitura? Sugiro que os moradores também conheçam o percurso em que a estrada foi aberta, perguntem quem será beneficiado e tirem suas próprias conclusões”, recomenda.
Outro detalhe que a pesquisadora faz questão de esclarecer, mais uma vez, é que ela e sua equipe não conhecem a floresta e o Monast de ontem.
“Nós não passamos por lá de vez em quando. Ele está dizendo que os técnicos e fiscais do Iema não sabem diferenciar árvores derrubadas pelo vento ou pelos temporais de quilômetros de outras derrubadas em linha reta que coincidentemente viraram uma estrada? É um deboche muito grande com profissionais altamente qualificados”.
E Jane vai além. “Quando se trata de uma ação feita por alguém que está na política recebendo um salário que sai do bolso da população a única saída é a punição. Não é aceitável um prefeito desconhecer informações (publicadas inclusive no site oficial do Iema em várias matérias) sobre a importância de uma Unidade de Conservação localizada no município que ele atua”, sugere.
A bióloga e herpetóloga diz que o prefeito é funcionário do povo, e que se não é capaz de conhecer o próprio município, precisa ser punido e afastado do cargo.
“Assim como fez anteriormente, quando divulgou um vídeo solicitando que um filhote de onça pintada registrado na região fosse removido, usando informações errôneas e exageradas, mais uma vez está induzindo a população a erro”, pontua.
Turismo e educação ambiental
Jane Oliveira sugere que o Monast deveria ser usado para o turismo ambiental. E faz questão de acrescentar que a Serra das Torres não deve ser vista como um monte de árvores que atrapalham a passagem dos moradores.
“O turismo melhora a renda de todas as famílias do local e é sustentável. Todos que valorizam a preservação ambiental sairiam ganhando”, reforça.
Durante muitos anos Jane participou de ações nas localidades e escolas dos municípios abrangidos pelo Monast para mostrar às crianças e suas famílias a importância de preservação ambiental.
Segundo a pesquisadora, o intuito sempre foi incentivar uma convivência harmônica com a natureza, reforçando que dependemos do ambiente que existe na Serra das Torres para a qualidade de vida de todos os moradores.
“Manter nascentes, riachos, a floresta e todos os recursos naturais que ela oferece certamente dão a moradores de toda a Região Sul do Espírito Santo um valor de biodiversidade muito elevado”, ressalta.
Frisa ainda que a biodiversidade é riqueza financeira também, e que enquanto o prefeito está abrindo estrada e derrubando árvores, ele deveria estar se preocupando em implementar projetos para uso sustentável dos centenas de recursos naturais que a Serra das Torres oferece.
“Deveria estar formando guias turísticos que ganhassem dinheiro com essa atividade que um Monumento Natural permite. Deveria estar implementando ações de educação ambiental para que proprietários protejam as nascentes que alimentam toda a comunidade das cidades no entorno do Monast. Existem dezenas de possibilidades de uso dos recursos de forma inteligente e lucrativa para todos sem precisar destruir uma floresta”, acrescenta.
A pesquisadora publicou o livro das serpentes do Monast que está sendo usado pela gestão da Unidade de Conservação para educação ambiental. “Continuo participando à distância, orientando as pessoas pelo grupo no WhatsApp”, esclarece.
Iema autua prefeitura por danos ambientais
Consultado sobre a denúncia, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) garante que realizou uma fiscalização no trecho entre a região do Alto Santa Maria, em Muqui, e Vale do Moitão, em Atílio Vivácqua, onde foi constatada a intervenção irregular de abertura da estrada.
Com a confirmação da ação, o Iema diz que a Prefeitura Municipal de Muqui foi autuada por danos ambientais ao Monumento Natural Estadual Serra das Torres e por desrespeito às normas ambientais vigentes.
O órgão informou ainda que está concluindo o relatório de fiscalização e que após essa conclusão serão tomadas as medidas administrativas necessárias a sanar as irregularidades constatadas no local, mas não precisou a data para conclusão do documento.
Enquanto isso a pesquisadora Jane Oliveira, que provavelmente seja a maior conhecedora das espécies existentes no Monast, destaca que se alguma dessas espécies for impactada por essa abertura ilegal da estrada, elas podem desaparecer.
O que diz a Prefeitura
O jornal Dia a Dia enviou à Prefeitura de Muqui as seguintes perguntas:
– Recebemos denúncia de que o prefeito teria uma propriedade na região devastada e que a abertura da estrada valorizaria o local. O prefeito tem propriedade em algum ponto do trecho cortado pela estrada?
– É sabido pela Prefeitura e pelo prefeito que uma das áreas de abertura da estrada possui espécies raras, como a Phasmahyla lisbela, e única, como a Euparkerella robusta, que não existe em nenhum outro lugar do planeta, apenas em Muqui?
– A obra foi interrompida, após autuação do Iema?
– A Prefeitura/prefeito gostariam de dizer algo mais sobre o assunto da construção de uma estrada em área de proteção permanente?
Veja a resposta na íntegra:
O primeiro ponto a ser destacado é o fato de que não houve abertura de estrada nova dentro da área de conservação, e muito menos devastação do meio ambiente.
É preciso destacar que houve apenas a manutenção de uma estrada que existe no local há séculos, e que serve de passagem e escoamento da produção local, visto que na região existem proprietários rurais ali estabelecidos muito antes da criação da área de proteção ambiental.
Com as chuvas e temporais do início do ano, muitas árvores sofreram quedas, umas sobre as outras, e acabaram por obstruir as estradas locais.
Assim, a única intervenção do município foi retirar as árvores caídas no leito das estradas, posicionando-as à sua margem.
E tudo isso foi tratado em reunião realizada no mês de maio, do Plano de Manejo da Mona da Serra das Torres, no Salão Paroquial da Igreja Católica de Muqui, contando com presença do Prefeito Municipal, Secretário de Meio Ambiente, Engenheiro do Meio Ambiente e Autoridades dos Municípios de Atilio Vivácqua e Mimoso do Sul, e de muitos proprietários rurais diretamente envolvidos no atual plano de manejo.
Nessa reunião foram discutidos ações de mudanças, trajetos e locais onde poderiam haver intervenções pelos proprietários e pelos municípios envolvidos, afim de melhorar as vias de acesso e uma melhor interação turística e paisagística do local, tendo em vista que os proprietários rurais daquele local estaria sendo prejudicados com as proibições e limitações impostas pela Mona.
Assim ficou definido vários acessos aos quais as Prefeituras poderiam realizar manutenções, inclusive onde foi efetuada a manutenção.
Portando podemos afirmar que não houve qualquer degradação do meio ambiente pelo Município de Muqui.
Hélio Carlos Ribeiro Cândido
Prefeito Municipal de Muqui
Confira abaixo fotos recentes da estrada
Algumas espécies encontradas na área devastada