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Foto: Olívia Avelar

Eu sei que é Junho

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

Eu sei que é junho, o barro dessas horas
O berro desses céus, ai, de anti-auroras
E essas cisternas, sombra, cinza, sul
E o chumbo de um velho pensamento…

Alceu Valença

Não escolhemos as datas daquilo que nos marca. Em qualquer terça cinza e sem dono ou sábado azul e ensolarado, dias corriqueiros que se perderiam feito folhas amarelas se desprendendo dos galhos, transformam-se, sem aviso, em memórias cristalizadas. Páginas de velhos calendários se tornam portos sempre revisitados, seja por capricho ou necessidade. Dias que se convertem em portais do tempo, perfeito refúgio para as horas de tédio e melancolia.

Num tempo passado, deu-se que me apaixonei pelo mês de maio. Aos meus olhos de então, a luz vespertina sobre Cachoeiro começava a mudar, a partir do quinto mês do ano. Mais amarela e saudosa, nos despedíamos da luz dura das ruas quentes para abraçarmos a brisa de quase inverno. De janeiro a abril, a cidade sempre me pareceu hostil, ofuscante, incômoda. Maio era o respiro leve de um outono tropical. As fachadas das casas e prédios ganhando uma tonalidade macia e convidativa, as garças aninhadas nas ilhas do Itapemirim, transformando as árvores em algodão de penas brancas. Por mais de duas décadas, aguardei a chegada de maio com expectativas e nostalgia, na esperança de um eterno retorno do maio primevo dos meus 17 anos, suas promessas e seus convites.

Assim como a visita breve de um querido amigo, doía-me a despedida. Minha angústia começava com “Mas, já é dia 15?” Para, invariavelmente, terminar em “Só faltam três dias para o mês acabar?” Ano após ano, maio me escorria entre os dedos. Cada vez mais depressa, os dias se esgotavam e o mês se perdia, entre prazos e demandas cotidianas. Por fim, nem mesmo o acompanhava até a porta, não nos despedíamos mais como se deve. Sem palavras de até breve, impôs-se sobre nós um silencioso adeus. Chegou-me, então, a constatação frustrada de que não conseguia tempo para apreciar meu mês preferido. Maio desvaneceu-se. Sua luz já não me inspirava. Sua importância, já bem gasta e mal cuidada, também se transformou numa memória.

Não escolhemos as datas daquilo que nos chega, ou do que se vai. Junho, canção lançada por Alceu Valença em 1992, pousou nos meus ouvidos no primeiro dia do sexto mês de 2024. Bem vindo seja, mês de junho! Que seus dias me arejem a alma e seus arraiais clareiem nossas noites. Que seu vicejo me encontre e comova e suas cores, azuis quase gris, sucedam, em brilho e relevância, os idos maios de tudo que se perdeu. Um viva aos vindouros junhos, guardiães de tudo que ainda será encantado.

Olivia Batista de Avelar. Escritora membro da Academia Cachoeirense de Letras

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