Quem a conhece desde a infância ainda deve se lembrar da criança levada, e saudável, que vivia “plantando bananeiras”, virando cambalhotas, jogando bolas de gude, soltando pipas ou andando de carreta nas comunidades em que morou no município de Atílio Vivácqua.
Levada, Patrícia Aparecida da Conceição Ladislau, 42 anos, a contramestra de capoeira Ligeira, conta que cansou de ouvir que era para ela parar de brincar com coisas de menino. “Tudo que é brincadeira que você pensar eu fazia”, conta.
E ela, que é filha única, nem tinha a justificativa de que acompanhava os irmãos. Simplesmente era feliz nas levadices que marcaram toda a sua infância.
A mãe conta, e ela diz que nem sabia disso, que aos oito anos um vizinho se incomodava tanto com a agitação dela que prometeu que se ela parasse de virar cambalhotas, podia escolher o presente que quisesse.

Resolveu escolher uma bola grande. Promessa feita, promessa cumprida. Não virava mais piruetas e cambalhotas. Mas foi ficando cada dia mais triste, ao ponto do vizinho, penalizado, liberá-la do cumprimento da promessa, desde que fizesse outra: a de tomar muito cuidado. E ela voltou a brincar, sem perder o seu presente.
“Esse vizinho, o seu Juca de Santa Tereza, sempre perguntava à minha mãe se ela não tinha medo das minhas travessuras. Ela disse para ele que só podia pedir a Deus para me proteger.Minha mãe sempre está ao meu lado. Meus alunos chamam ela de tia , todos os eventos e rodas é ela quem fica responsável em fazer a comida dos convidados”, relata.
A capoeira, porém, não era uma das coisas que fazia. Ela nunca tinha visto ou ouvido falar desse esporte que hoje a consagrou e tornou uma atleta conhecida e respeitada em todo o Espírito Santo.
Tanto ao ponto de ter recebido o título de Patrimônio Vivo de Cachoeiro de Itapemirim através da Lei João Inácio, que só pode ser entregue a no máximo 40 pessoas. Ela está entre as primeiras 22 condecoradas com a honraria.
Seu primeiro contato com o esporte foi em 1995, através do amigo Bipboop, aluno do Mestre Falcão, uma das maiores referências da capoeira em Cachoeiro de Itapemirim.
“ Bipboop era uma grande lenda de Cachoeiro e me convidou para assistir uma aula. Como eu não conhecia eu fui e me apaixonei de cara”, relata com brilho no olhar.
Se o apoio da mãe nunca faltou, a capoeirista ouvia dos tios que aquilo era coisa de menino, e que era para ela caçar um serviço porque capoeira não dava futuro a ninguém.
Acostumada a ser chamada a atenção pelas “coisas e brincadeiras de menino” que fez a vida toda, esses comentários não a impediram de se dedicar cada vez mais à prática do esporte que é a sua grande paixão.
“Depois que conheci a capoeira, onde tinha uma roda ou um treino, eu “pocava” para lá para praticar”, destaca. A contramestra Ligeira conta que considerava o Contramestre Baiano como Mestre .
“Eu ia para lá sempre que podia .O Mestre Falcão, que naquele tempo era meu Mestre dizia:
“Daqui uns tempos você terá que pagar mensalidade, de tanto que você vai lá”, sorri com a lembrança.
Vamos saber um pouco mais dessa mulher que joga capoeira há 26 anos, é Contramestra há nove e que vive profissionalmente da atividade como professora em oficinas de capoeira em Cachoeiro e municípios vizinhos.
Com a palavra a maior autoridade feminina em capoeira de todo o sul do Estado, a Contramestra Ligeira, que mora em Cachoeiro desde os dez anos de idade.
Porque a Patrícia Aparecida da Conceição Ladislau é muito bem representada pela capoeirista que brilha pelo Estado afora e conquistou o respeito de atletas e apreciadores do esporte em todo o Espírito Santo.
Patrimônio Vivo de Cachoeiro de Itapemirim
Porque o apelido Ligeira?
Eu desenvolvi muito rápido e meus movimentos eram muito ligeiros. Peguei a minha primeira graduação aos dois meses de aula, um tempo considerado curto para o alcance desse resultado. Então acharam natural me dar esse nome, que eu recebi bem e carrego até hoje. Na minha segunda graduação já comecei a ajudar o Mestre Falcão.
Como tudo começou?
Eu fui apresentada à capoeira pelo meu amigo Bipboop. Ele me levou na academia do Mestre Falcão. Mas no dia em que fui lá, em 1995, ele não estava. Depois eu voltei, me apresentei ao Mestre e disse que um aluno dele tinha me convidado, Ele me aceitou e eu iniciei as aulas. Começamos em umas 10 meninas, algumas já estavam lá, algumas foram desistindo e eu continuei, mas por qualquer coisa que eu fazia eu pagava 10 (dez flexões como castigo). Se eu entrasse na roda levava tanta banda que nem sabia o que estava acontecendo. As pessoas falavam que eu não era bem-vinda no grupo porque eu era a única que pagava 10 e levava bandas. Pegava tão pesado que um dia fui na casa dele perguntar o que ele tinha contra mim. Porque era tão duro comigo. Aí ele me falou que era porque já tinha percebido que eu tinha futuro. Foi aí que coloquei na cabeça que ia treinar cada vez mais.
Como fortaleceu o seu nome no esporte?
Eu comecei a rodar o Estado para competições. Quando estava com a graduação verde e azul, já era conhecida no Espírito Santo todo. Muitas vezes eu chegava e as pessoas já me conheciam. Participei de muitos campeonatos pela Federação Brasileira e da Federação Capixaba, e uns problemas me impediram de ir para o campeonato nacional.
Na graduação de aluno formado, eu participei com o Contramestre Eliseu Escorpião em muitas competições e ganhamos muitos prêmios individuais e de duplas.

Você foi aluna do Mestre Timbó.
Sim. Eu e o Contramestre Eliseu Escorpião cantamos o Mestre Timbó por mais de cinco anos para que nos aceitasse na equipe, e ele recusava, mas eu nunca desisti. Era o nosso sonho estar naquele time. Até que ele me aceitou. Infelizmente Contramestre Escorpião não realizou este sonho, pois faleceu antes . Após sua morte, decidi tentar mais uma vez. Com a ajuda de um grande amigo, Márcio Trenel Ongolê , consegui chegar ao Mestre Timbó. Ele fez uma bela ponte entre nós. Na manhã seguinte me tornei aluna Direta de Mestre Timbó. Fundador da Associação de Capoeira Navio Negreiro.
Como começou a sua atividade de professora de capoeira?
Iniciei passando umas movimentações para os alunos do Mestre Falcão, de acordo com o que ele determinava. Em 2000 comecei a dar aulas em Atílio Vivácqua. Fiz isso por sete anos direto. Depois iniciei meu trabalho em Cachoeiro, na Escola Coramara, pelo Estado. Então desenvolvi um projeto em Cachoeiro e até hoje, desde de 2012, estou na Escola Tereza Valiati. Infelizmente o projeto ficou parado por causa da pandemia, e aos poucos a gente vai se encontrando como pode. Em 2017 iniciei um projeto em Presidente Kennedy. Tenho muitos alunos que começaram comigo e se destacaram. Outros que já conheciam a capoeira e continuaram comigo.
Existe uma lição que a capoeira ensina?
Sempre falo que a gente tem que trabalhar em parceria, não importa a graduação. Um dando apoio para o outro, trabalhando juntos. Eu sempre tive o apoio dos meus graduados e eles sempre me dão apoio quando preciso. Isso é importante na capoeira. E eu faço questão de levar o nome do Mestre Timbó e do nosso grupo Navio Negreiro para onde eu for.
A capoeira pode ser herança de família?

Eu criei a minha filha Jamily Xodó, que hoje tem dez anos, acompanhando as aulas e as rodas de capoeira. Na verdade, desde a minha barriga que ela acompanha, porque não parei de praticar e estive em atividade durante toda a minha gravidez. Ela é minha aluna, já está no esporte e vamos ver o que ela escolhe.
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