Faço parte de uma organização de mulheres cujo o lema é “a caridade nunca falha” e que, esse ano, no dia 17 de março, completará 182 anos. O que mais amo é a história por trás de cada mulher que ajudou a escrever as linhas dessa organização em várias partes do mundo.
Hoje, gostaria de falar não de uma mulher especial, mas sim de um grupo de mulheres que deixaram o Velho Mundo, muitas delas fugindo com os filhos, deixando para trás maridos abusivos, para ir ao encontro daquilo que consideravam a salvação de suas vidas. Fico imaginando como deve ter sido difícil deixar uma vida para trás e embarcar para um novo mundo, sem conhecer ninguém e nem tampouco saber dos desafios de toda a jornada.
Ao longo caminho para a região do Lago Salgado, muitas dessas mulheres puxaram os chamados carrinhos de mão e, em especial, duas dessas companhias – Willie e Martin – enfrentaram sérios problemas com a neve e a fome. Muitas dessas mulheres enterraram seus filhos em covas rasas, pois o solo já estava congelando, ou deixaram de comer a pouca ração que recebiam para poder alimentar sua prole. Movidas pela fé atravessaram toda planície dos Estados Unidos, sem recursos e, as vezes, pela ausência de um companheiro, puxavam os carrinhos de mão com um bebê no colo ou sozinhas porque eram movidas pela fé e pelo desejo de oferecer algo melhor para sua vida e para seus filhos.
No caminho, muitas delas perderam as pontas dos dedos ou mesmo membros inteiros devido ao forte frio, enquanto outras enterraram seus familiares ou sentaram à beira do caminho e choraram… choraram pedindo a intervenção divina. Em relato de um dos diários dessas pioneiras, uma jovem moça estava a ponto de desistir, pois não aguentava mais a fome e tampouco a dor da perda de um dos filhos, mas a fé de sua irmã fez com que milagrosamente surgisse alimento pelas mãos de um homem que vivia nas cavernas. Porém, não pretendo abordar o aspecto religioso ou o milagre, mas sim o fato de outra mulher ter ficado ali, ao lado dela, não a deixando desistir. Acho que é por isso que essa organização tem esse lema, pois não podemos deixar umas as outras, mas devemos exercer a caridade da forma mais nobre, sobretudo a caridade moral onde jamais devemos virar as costas ou julgar outra mulher por suas escolhas.
Sempre que penso nessas jovens e muitas vezes idosas guerreiras me deparo com lágrimas escorrendo dos meus olhos, pois não consigo imaginar o quanto foi doloroso todas as perdas, os medos, a fome de fazer a barriga doer e o sentimento de solidão, e, tantas vezes o preconceito por muitas delas terem desafiado uma sociedade e embarcado para outro continente sozinhas.
Ser mulher nunca foi fácil, pois somos julgadas desde a época de Eva, onde muitas vezes, em forma de piada, falam que a culpa da desgraça do mundo é de Eva. Eu discordo, pois creio que graças ao fato dela ter desafiado o que foi dito, hoje podemos vir ao mundo e vivenciar tantas experiências. Nós mulheres somos criaturas incríveis, pois temos a capacidade de gerar filhos e de fazermos coisas sensacionais, pois já fomos “fabricadas” com o botão de abraçar desafios, fazer questionamentos e nos reinventarmos em meio as labutas do dia a dia. Somos assim.
Confesso que muitas vezes quando bate o desânimo, viro para o lado na minha escrivaninha e vejo a gravura de uma jovem pioneira em pé, de cabeça erguida e olhando para frente. Atrás dela está seu carrinho de mão, simbolizando todo o percurso e provações da jornada, em cima da neve, enquanto outras pessoas estão sentadas de cabeça baixa. Para mim, essa imagem diz tudo. Enquanto todos se entregam ao cansaço, ela olha para frente, provavelmente para o Lago Salgado, e sente em seu peito a gratidão e a certeza de ter vencido mesmo em meio todos os desafios. E ser mulher é isso: é desbravar dia após dia, passar por nossos desertos ou nevascas pessoais, mas sempre seguir em frente, pois somos feitas de luta, ousadia, amor e vitória.