O filme – Professor Polvo, 2020, disponível na Netflix, relata as experiências vividas por Craig Foster, que vivia desmotivado ao perceber em seu último trabalho, o quanto sua vida parecia desconectada de tudo e todos. Após mergulhar, literalmente, em uma aventura a um reino que pouco conhecia, gradualmente, passou a observar que as similaridades são maiores do que as diferenças existentes entre esses dois habitats e seus residentes.
Ao se lançar nesta aventura, o que antes tomava como parâmetro, já não se aplicava mais a sua realidade, desde se adaptar às águas geladas do oceano Atlântico, a desenvolver uma melhor performance na retenção do ar, e até mesmo, de entender que a vulnerabilidade não se aplica apenas aos que habitam aquele lar, mas a si mesmo. Apesar de, até aquele momento, ter se visto como um mero visitante, ou como a própria extensão das lentes de sua câmera – não deixava de ser passível das interferências e acontecimentos alheios.
Seu corpo, que rejeitava as águas gélidas, passou a suplicar pelas sensações que se tornaram familiarizadas, já que o estimulavam, e marcavam a ultrapassagem em direção ao meio estrangeiro. Sem ao menos perceber, passou a assumir um papel transmutável: de observado a observador, de intrigado a intrigante; os opostos se mesclavam e se emaranhavam na construção das inter-relações, que se almejavam, que se moldavam na figura do alienígena portando seus equipamentos que o auxiliavam na exploração que acreditara ser do meio em que se encontrara. Contudo, a maior mudança, talvez, tenha surgido do reino interno, pouco explorado para com o externo.
A percepção de Craig que outrora não simpatizava com as demais espécies, se converteu na figura de uma criança, que buscava entender o que o cercava, o que acontecia. Deixando-se levar pelas correntes marítimas, passando a assumir uma certa inércia existencial, o que não prejudicava sua valia, de entender que tudo é passageiro, e de que tudo flui em seu próprio ritmo nas veias correntes das águas que deságuam em si, em outros, por todos, permeiam e se reciclam num ato altruísta de se regar e de reger o fluxo da vida.
Neste ambiente enigmático, tornou-se aluno de algo inesperado – a professora polvo – intrigou-o e instigou sua percepção mais apurada, despertando a empatia que pouco refletia as demais espécies. Percebendo que as diferenças que consideramos exacerbantes, como: o porte físico, a produção maior de sinapses, que de certa forma é relativa; as semelhanças são mais intrigantes: o comportamento, a assimilação, a auto-observação, e a contemplação.
Ele notou que os adjetivos que normalmente são atribuídos a espécie humana, também são manifestados pela professora: o medo, a vulnerabilidade, a curiosidade, a confiança, a insegurança, dentre outros. A questão de que a linguagem utilizada nem sempre precisa ser verbal, a mensagem pode ser transmitida de diversas formas: no ato, na visão, no tato.
A avidya (ignorância) habita na crença de nos considerarmos superiores, invencíveis, e intangíveis.
O aluno notou o quão experiente e sábia era sua professora, que apesar da barreira do que se poderia considerar intransponível, a linguagem não-verbal ainda era acessível, sendo aquela: que toca, que soa, que reluz, que se ergue, e que dança.
A professora apresentava mecanismos de defesa tão engenhosos, tão inovadores e tão funcionais quanto os nossos. O aprendiz interagia com o meio, e mais que isso, contemplava cada ato de sua guru, que se adaptava das mais diversas formas, brincava no caminhar, no dançar, como explorava o entorno e a si mesma.
Naquele reino muito se transmutou, o nadador podia ser uma ave, um peixe um transeunte, um tubarão o grande vilão. E a professora aos olhos de suas presas – a própria ameaça, só enfatizando o quanto tudo pode ser e é muito relativo.
Os asanas (posturas), os pranayamas (respiratórios) e diversas outras técnicas são inspiradas na contemplação que diversos yogis desempenharam ao longo dos anos. Há diversos asanas inspirados nos animais, como: o camelo, o peixe, o cachorro, o gato, a vaca, etc.
Os praticantes notaram que a união não se limita à análise e a compreensão do que é o nosso ego, mas se estende ao cosmo que origina ou que rege cada partícula existente, que nos tornam parte de tudo.
Assim sendo, a lei que gere o início, o meio, e o fim atinge a todos.
O conhecimento do Yoga deu-se de diversas formas, dentre elas a observação do meio, da forma que a interação é feita de si para consigo mesmo e para o nosso restante, pois somos o tudo e o nada ao mesmo tempo, somos a união, que apesar de “aparentemente” ser fragmentada, se encaixa perfeitamente.
Assim, como o polvo que imita e experimenta diversos movimentos, os aplica em sua jornada de vida. O Yoga se inspira neles, e como reflexos no espelho – produzimos posturas que homenageiam, num gesto de respeito e contemplação, de que todos estamos e somos conectados, que o mesmo prana (ar/energia vital) percorre os nossos organismos.
Ao percorrer de sua jornada, o aluno notou que não era um visitante, mas que fazia parte do meio, e uma das grandes lições aprendidas foi:
a gentileza, que o selvagem, mesmo sendo considerado – grosseiro, e rude, respeita as vidas, pois honra a sua própria vida por ser e viver de acordo com sua natureza instintiva, no sentido de: escutar, olhar, reconhecer-se, para então, criar os laços que entrelaçam a nossa existência.