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A Trincheira Infinita

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

“O nascer do século 20 foi como uma aurora resplandecente. O nível de expectativa era inédito. Tanto havia sido conquistado no século anterior que parecia sensato acreditar que dali em diante os êxitos do mundo em muito superariam os desastres.” Essa é a frase de abertura do livro Uma Breve História do Século XX, de Geoffrey Blainey. Foi desse livro que me lembrei, enquanto assistia ao filme A Trincheira Infinita, 2019 – disponível na Netflix. O filme é baseado em fatos reais e conta a história de Higinio Blanco, um crítico do regime autoritário de Francisco Franco na Espanha, que teve que se esconder em um buraco na sua própria casa para não ser assassinado. Uma decisão de momento que se transformou em uma auto sentença: fugindo dos militares que o perseguiam, no momento da escolha entre arriscar-se na fuga em campo aberto ou se esconder, o personagem principal dessa história decide ouvir a mulher e se esconder em casa até quando fosse necessário. Sua casa, seu próprio lar, lhe traria a proteção e o exílio que, àquela altura dos acontecimentos, nenhum outro lugar poderia conseguir fornecer – a travessia poderia ser interceptada, sua vida poderia ser interrompida. Um átimo e a escolha – Higinio ficou e, durante 33 anos, sua casa transformou-se em sua trincheira e seu lar se converteu em sua cela e numa lida diária para continuar vivendo mesmo sem continuar existindo.

Higinio e milhares de outros seres humanos que andaram sobre a terra durante o século 20 são as provas irrefutáveis de que a atmosfera de esperança e expectativa que pairavam sobre o raiar do século passado estavam muitíssimo enganadas.

O Franquismo foi um regime político ditatorial que vigorou na Espanha entre os anos de 1939 e 1976. O Franquismo era baseado na ditadura do líder que dava nome ao regime e tinha como característica uma forte repressão aos opositores do sistema. As bases do regime eram definidas pelo catolicismo e o anticomunismo. O século 20 foi fortemente marcado pelas ditaduras ao redor de todo o planeta: de esquerda ou de direita, inúmeros países viveram sob esses regimes de chumbo e o hálito nefasto que esses ditadores deixaram pairando sobre a sociedade ainda pode ser sentido, hoje, por toda a parte. Hittler na Alemanha, Stálin na antiga União Soviética, Mussolini na Itália, Pinochet no Chile, Videla na Argentina, Salazar e Caetano em Portugal, Pol Pot no Camboja – todos esses se juntam à Franco na extensa lista de homens que encabeçaram e mantiveram a população de seus países sob leis rígidas e práticas violentas de repressão, em nome de valores e nacionalismos fajutos e vazios, que serviam somente como uma forma espúria de conquistar e manter o poder, a qualquer custo. Todo o planeta, durante todo o conturbado século 20, sentiu-se e viveu direta ou indiretamente, em alguma espécie de trincheira.

Os senhores da guerra que obrigaram gerações de seres humanos à rastejarem, se esconderem e a implorarem por comida, direitos e pela própria vida.

Escondido abaixo do chão, Higinio assiste, pelas frestas e buracos nas paredes, a vida se desenrolar do lado de fora. As décadas se sucedem, a segunda guerra começa e termina, a onipresença do rádio cede espaço à televisão. Muito longe da pequena vila onde ele vivia, homens que não sabiam de sua existência continuavam a ameaçar sua vida: por anos a fio, ele ainda poderia ser condenado por crimes de guerra. Por ter se insurgido contra um estado brutal. Por ser um inconformado. Em uma das minhas cenas preferidas, Higinio conversa com um jovem ativista político que acaba passando um curto período de tempo também escondido em sua clausura: “case-se, tenha filhos. Leve sua família para conhecer o mar.” De dentro de seu túmulo em vida, apesar de não se arrepender de sua trajetória, Higinio busca uma rendição ao aconselhar com os mesmos conselhos que ele mesmo não escutou. O que o século dos ditadores e da força brutal do estado nas mãos dos militares nos sugere é que, mais cedo ou mais tarde, eles retornam. Retornam porque, na necessidade de termos um mínimo de vida e dignidade, nos esquecemos deles e abrimos nossas portas e janelas e também espaço no debate político público para recebê-los, novamente, gabando-se de sua coragem e hombridade, de sua relevância para defender a todos nós de alguma ameaça fictícia da vez.

As ditaduras, enquanto no poder, cavam as profundas trincheiras onde todos nós vamos viver, por décadas, e mesmo após as derrocadas e interinas quedas dos governos totalitários – elas, as trincheiras, continuarão lá, à espreita.

À espera. Nos assombrando. Infelizmente, basta que possamos colocar, por pouco tempo, nossos rostos no sol e nossas vidas no mundo lá fora, para começarmos a fingir que as trincheiras não existem e que a guerra foi, somente, um período ruim, um período necessário. Um tempo de vilões e de heróis. Um tempo que se foi. E, até mesmo, um tempo de glória – para o imaginário pueril e limitado de muitos. A aurora do século 21 pode não ter sido contemplada com tanta empolgação e expectativa, como aquela que acometeu aos nossos antepassados não tão distantes, nossos ancestrais que viveram há um século. Mas é a nossa lembrança sobre eles e sobre suas vidas aterrorizadas que se perdeu – como tantas e tantas vezes a humanidade segue esquecendo para tentar conseguir viver.

É pela falta de apreço e atenção à essa memória que estamos, mais uma vez, fingindo liberdade e contentamento enquanto as novas/velhas nuvens de chumbo se assomam no horizonte.

Nós nunca aprendemos e eles são pacientes. Faço minhas as palavras de Higinio: casem-se, tenham filhos, visitem e contemplem o mar. Afinal, não tarda a hora sombria de nos enfiarem, de volta, em nossas trincheiras infinitas – pois elas acabam, sim, para cada indivíduo. Mas são infinitas porque são um dos poucos legados certos e perenes que deixamos, enquanto sociedade, para os seus futuros moradores. Foi esse o legado que recebemos, mas pouca gente se deu conta. A cada dia, mais um passo.

Como é sutil e poderosa a racionalização em massa que nos seduz e encaminha de volta para o buraco, sussurrando: melhor a trincheira do que o comunismo. Melhor a guerra do que a paz. Melhor o medo do que os direitos. Melhor a disciplina do que a liberdade.

 

Olivia Batista de Avelar. Professora de inglês, pós graduada em filosofia, apaixonada por cinema e escritora
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