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Achado não é roubado?

ESCRITORAS CACHOEIRENSES - Raquel Poleto Fonseca. Refletir sobre o "achado não é roubado" é também revisitar a história do Brasil e reconhecer quem estava aqui antes

Quando criança, havia um ditado que mais parecia cantiga de roda: Achado não é roubado; quem perdeu foi relaxado!” Eu repetia cantarolando essa máxima sempre que encontrava alguma coisa pelo caminho: no recreio, na calçada, no trajeto da escola… as vezes uma moeda, outras um objeto qualquer, não importava. O desafio era sempre explicar para minha mãe de onde saiu o objeto misteriosamente achado.

Entretanto, mamãe, mulher sábia e com sensatez, ciente de onde cada coisa pertence, sempre dava um jeito de me lembrar que o mundo não funciona assim. Sabia o perímetro exato de onde o tal “achado” tinha aparecido e me colocava na missão de devolução: fosse perguntando na escola ou procurando entre vizinhos. Só depois de muita procura, e se ninguém reclamasse, é que eu podia ficar com o tesouro encontrado.

Pena que essa ética não navegou junto nas caravelas do século XVI.

Pensando neste texto sobre o descobrimento foi a primeira frase que me veio à mente. Penso que, de certa forma, essa lógica do “achado não é roubado” guiou os portugueses ao desembarcarem por aqui em 1500. Portugal, naquela época, parecia uma criança travessa brincando de esconde-esconde com os mapas de navegação. Só que em vez de procurar amigos, saiu à caça de terras “perdidas”, ou melhor, terras com gente que não falava latim nem usava armadura.

Em 22 de abril, Pedro Álvares Cabral e suas caravelas avistaram um lugar exuberante, com árvores de pau-brasil, gente que andava descalça e vivia em comunidade. Para eles, aquilo era uma nova terra; para os povos indígenas, era simplesmente o quintal de casa.

Dizer que foi “descobrimento” é quase tão ingênuo quanto acreditar que eu, criança, descobria algum objeto no recreio da escola. A diferença é que eu tinha uma mãe para me lembrar da ética.

Há quem diga que aquela expedição já sabia muito bem aonde estava indo. O Tratado de Tordesilhas, assinado anos antes, já dividia o mundo entre Portugal e Espanha, feito crianças riscando o chão da sala para definir quem fica com qual brinquedo. Nessa divisão, esqueceram de perguntar aos donos do tapete.

A colonização que se seguiu foi feita de imposições culturais, exploração de recursos, extermínio de povos originários e suas histórias. Povos com suas próprias línguas, crenças e formas de vida foram classificados como “sem alma”, como “selvagens”, tudo para justificar que o achado fosse tomado sem culpa. Como quem por um “relaxamento” perde seu lugar de existência, tal como na segunda parte do ditado.

A velha cantiga popular, dita com riso na infância, parece ecoar de forma triste na história do nosso país. “Achado não é roubado”? Talvez para quem nunca precisou bater de porta em porta para devolver o que não era seu.

Rever essa história é mais que um dever histórico, é um ato de escuta. Escutar os povos que estavam aqui antes da chegada das caravelas e que, até hoje, resistem para continuar sendo parte viva deste Brasil que, diga-se de passagem, nunca esteve perdido. Só foi tomado por quem achou que o mundo era um grande achado.

Raquel Poleto Fonseca, nascida em Cachoeiro, contadora, sommelière, escritora e integrante do projeto Escritoras Cachoeirenses 

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