“Meu nome é Harvey Milk e eu recruto vocês!” A convocação feita pelo supervisor municipal da cidade de São Francisco ao iniciar seus discursos reflete a espinha dorsal da política militante. Só existem, na realidade, apesar de incontáveis partidos e siglas em todos países, dois lados políticos: o daqueles que lutam pela conquista dos direitos civis do grupo em que se encaixam e o daqueles que querem manter tudo como está, tudo como sempre foi. Quando se trata de Política, a arena da sociedade civil ainda assiste ao mesmo embate arcaico e encardido: “homem branco versus todo o resto”.
“Todo o resto” somos todos nós, os desprovidos de representação, capital e poder político. “Todo o resto” somos todos nós que já nascemos inquilinos em qualquer cidade, estado ou país e que devemos acatar a nossa ausência de direitos e a nossa profusão de deveres como mensagem comprovatória e divina da nossa inadequação, inferioridade e abnegação. Se olharmos um pouco mais de perto para qualquer argumento político que não seja militante/opositivo, nas letras miúdas, sempre, leremos: deixe tudo para ser resolvidos por nós, homens brancos ricos. Não se preocupe com nada. Nós gerenciamos suas vidas. Nós sabemos o que é melhor para todos vocês.
Esse minúsculo grupo, que nomeou todos os outros de “minorias”, se entende como “muitos” por que não nos considera como iguais. Somos de outro tipo, somos mimizentos, somos repetitivos, somos incômodos, somos barulhentos, somos resistência e somos achincalhados. Seremos humilhados de qualquer forma, mas quando ousamos brigar contra, o peso da máquina pública nos desossa e serve à lá mode. Como os cristãos devorados no Coliseu. Como as mulheres devoradas pelas chamas. Como os índios devorados pela pólvora e pela varíola. Como os pretos devorados pela escravidão.
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Quando penso sobre a pergunta: “Faz diferença votar?”, preciso esticar o pescoço para encontrar de onde parte essa indagação. De qual boca ela reverbera em palavras. De qual mente ela se exala. De qual alma ela participa. De qual classe ela comunga.
Partindo do perguntador – eu, uma mulher – meus pensamentos se bifurcam. Dois caminhos não percorridos – iguais em sua magnética atração: exerço um direito que me é concedido, ou seja, um direito que carrega em sua raiz a existência de um outro que me permitiu votar. Quero exerce-lo. Quero ter voz. Mas, quase que no mesmo instante, percebo também que a permissão da minha participação já é venenosa e me aborrece o insulto de participar de um jogo antigo que não foi criado para incluir quem eu sou.
Aos homens, é pertinente a dúvida sobre escolher ou não votar. Tem cadeira cativa. Às mulheres, essa dúvida dilacera: ao honrar aquelas que brigaram e morreram, antes de mim, para exercer seu direito ao sulfrágio universal, honro sua luta sabendo que ainda somos peças indesejadas em um tabuleiro marcado em um jogo cujas regras mudam para não nos contemplar. Escolho votar, mas isso não me é suficiente.