qui 28/março/2024 • 19h13
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Anete Lacerda

Este é um projeto do jornal diaadiaes.com.br que retrata a vida de mulheres que influenciam, fazem diferença e nos inspiram a seguir em frente.

São personagens reais que estão em todos os lugares e são protagonistas de suas próprias histórias. Que contribuem para um mundo melhor.

Seja bem-vindo a mais uma  história de uma incrível mulher.

Maria Laurinda

Maria Laurinda Adão: a Mestra dos Saberes

Hoje em dia o caxambu virou celebridade. A gente viaja, se apresenta, todo mundo aplaude. Ficou muito valorizado e até as criancinhas participam. Muita gente esteve aqui dando oficina e mostrou que é importante. Então não vejo a hora de passar essa doença para a gente se reunir de novo.

" Não Tenho leitura, tenho saber.

Quem cruzar pelas ruas com Maria Laurinda Adão, de 78 anos, não imagina a sua importância na preservação das raízes e tradições do povo afro-brasileiro e no cenário cultural de Cachoeiro de Itapemirim, do Espírito Santo e do Brasil.

Ela nasceu na Comunidade Quilombola de Monte Alegre, no Distrito de Pacotuba, onde mora até hoje, e continua realizando a sua atividade de coveira(num cemitério histórico fundado em 1865), mesmo após a aposentadoria formal. E também de parteira, se for chamada por alguém.

Mestra de Caxambu, camponesa, parteira, coveira, ativista, mãe de santo e líder comunitária, representa como poucas a força e a identidade da mulher negra e quilombola.

Ela mantém a jovialidade, anda de bicicleta pela comunidade, já viajou por vários países e percorre o Brasil difundindo tudo que vivenciou. E são muitos relatos.

Sua vivência como Mestra do Caxambu, guardiã do Raiar da Liberdade, evento que celebra todos os anos o fim da escravidão no dia 13 de maio, sob sua responsabilidade há 55 anos, e todas as outras atividades, já renderam muitas histórias.

Em tempos de pandemia, mostra o seu desalento por estar longe das cantigas e das batidas e balanços da dança do caxambu.

“Desde que a minha mãe passou o comando para mim (ela não se lembra há exatamente quantos anos, mas diz que são muitos) é a primeira vez que fico sem jogar o caxambu”, lamenta.

Se não pode dançar e reunir os fiéis no centro espírita que comanda, também “herança” de família, o ativismo que marcou sua vida inteira, mesmo quando nem imaginava o que era isso, continua.

As dificuldades com a tecnologia não impedem esse mulher forte de marcar presença nos encontros virtuais, que se popularizaram em tempos de pandemia.

Ela conta com a ajuda dos vizinhos para acessar a internet e participar das reuniões a que sempre compareceu de forma presencial pelo Brasil afora. As últimas são com médicos e outras parteiras de Recife.

Com a desenvoltura típica de quem está acostumada aos holofotes (ela já teve a vida retratada no livro Todas as Faces de Maria, foi citada em outros e tem também vídeos contando a sua história), Maria respondeu a muitas perguntas.

Com o sorriso de sempre e a esperança de que “essa doença” passe logo para que possa voltar à sua rotina movimentada.

Com a palavra Maria Laurinda Adão, Mestra do Caxambu Santa Cruz, memória viva da Comunidade Quilombola de Monte Alegre.

Maria Laurinda, como você começou a fazer partos? (mesmo aos 78 anos é inimaginável chamá-la de senhora ou de D. Maria, tamanha a disposição e vitalidade)

Minha avó era parteira e eu sempre acompanhava ela nas casas quando ia fazer parto. Ela tinha uma bronquite muito forte e numa das casas ela estava passando muito mal. Eu tinha dez anos de idade e ela me perguntou se eu tinha coragem de ajudar. Eu nunca tive medo de nada. Falei que tinha. Então ela me ensinou. Mandou cortar o umbigo três dedos depois da barriga, amarrar bem. Trouxeram uma colher quente e eu coloquei em cima e cauterizei. Fiz tudo direitinho. Tudo começou ali.

Quantos partos você já fez?

Eu não tenho ideia. Perdi as contas. Só sei que muitos filhos de umbigo já são bisavós. Toda família aqui tem alguém que nasceu pelas minhas mãos.

Maria Laurinda ainda faz parto?

Faz. É só chamar. De uns tempos para cá o pessoal está querendo voltar ao parto normal em casa. O último que fui fazer tem menos de três anos, em Alegre. Mas a gente tem que ter responsabilidade. Saber quando é possível e quando não é. Essa coisa da volta do parto fora do hospital é bem forte e participo até de um grupo de Recife. Lá tem mulheres indígenas e outras parteiras, acompanhadas pelos médicos, para trazer isso de volta.

Você já perdeu alguma criança durante o parto?

Nunca. Nem no de gêmeos. Mas isso é benção de Deus. Antes de ir atender a grávida eu acendia uma vela no pavilhão. Levava outra vela, uma fita e uma imagem de Santo Antônio. Deixava a vela acesa e enrolava a fita na cintura da mulher. Fazia minhas orações para só depois começar. Uns partos eram mais difíceis, outros quase nem dava tempo, mas sempre deu certo. Quando voltava ia na mesa orar e fazer a entrega. Era muita fé e tudo era feito por amor e caridade. Tudo que eu faço foi dado por Deus.

Do outro lado da vida, a morte. Você está presente nos dois momentos. Como iniciou a vida de coveira?

Uma vez um tio meu morreu e o coveiro estava doente. Então comecei a cavar a cova. Depois chegaram meu irmão e minha irmã para ajudar. Aí não parei mais. São sempre sete palmos e meio de profundidade. Eu aposentei só no papel. Mas continuo abrindo covas. Graças a Deus não perdemos ninguém para essa doença. Os que morreram pegaram fora daqui. Aqui o pessoal vive muito. Tenho fé em Deus que vamos passar pela isso sem ser atingidos.

Já enterrou alguém que tenha ajudado a nascer?

Infelizmente sim. Alguns.

Houve um tempo que aqui em Monte Alegre era difícil conseguir jovens para dançar o caxambu e  perpetuar a tradição. Isso porque diziam que era coisa de macumbeiro. Isso mudou?

Com certeza. Muito. Hoje em dia o caxambu virou celebridade. A gente viaja, se apresenta, todo mundo aplaude. Ficou muito valorizado e até as criancinhas participam. Muita gente esteve aqui dando oficina e mostrou que é importante. Então não vejo a hora de passar essa doença para a gente se reunir de novo.

Maria Laurinda parece incansável. É isso mesmo?

Eu tenho uma missão dada por Deus. E o que Ele dá a gente não pode meter os pés. O que Ele me deu povo nenhum tira de mim. Então vou continuar trabalhando enquanto eu puder.

Você já enfrentou preconceito por causa do caxambu e da religião?

Muito. Mas sei muito bem que a gente só sofre preconceito da parte de quem não tem inteligência. Já fiz oficinas aqui num projeto para crianças e algumas falavam para as outras não comerem nada porque tinha macumba. Eu chamava os pais e reclamava. Não fico calada. Tem que ter respeito. Desde criança eu ia numa igreja batista em Conduru com o meu tio. Minha mãe nunca impediu. Então eu acredito que a gente não troca de religião por conversa do homem. A gente tem que sempre  fazer a vontade de Deus porque a do homem não leva a lugar nenhum. Sábio é só Ele mesmo. A minha família toda era espírita e eu, que sou a mais nova, continuo cumprindo essa missão.

Maria Laurinda é uma mulher feliz?

Muito. Levanto agradecendo por mais um dia. E sempre falo para mim mesma. Vai em frente. É melhor lutar do que desistir. E vou continuar assim enquanto viver. Eu ando, falo e tenho saúde. Quer coisa melhor do que isso? Já fui a tantos lugares, conheci tanta gente, recebi apoio de muitos que até hoje me ligam porque ninguém está podendo visitar ninguém. Então sei que não tenho leitura, mas tenho saber. E isso me trouxe muitos amigos.

Qual a mensagem você deixa para quem conhecer a sua história?

A gente não é ninguém aqui nessa terra. Maior de todos é só Deus mesmo. Para vencer é preciso coragem, capacidade e andar sempre ao lado da verdade. A mentira não leva ninguém a lugar nenhum. E agradeço a tudo que o Lula fez pela mulher camponesa. Foi muita coisa. A gente comia carne, tinha fartura.

 

 

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