seg 29/abril/2024 • 05h07
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Anete Lacerda

Este é um projeto do jornal diaadiaes.com.br que retrata a vida de mulheres que influenciam, fazem diferença e nos inspiram a seguir em frente.

São personagens reais que estão em todos os lugares e são protagonistas de suas próprias histórias. Que contribuem para um mundo melhor.

Seja bem-vindo a mais uma  história de uma incrível mulher.

Jane Oliveira

Jane de Oliveira, a encantadora de serpentes

BRAVAS MULHERES. Jane Oliveira tem dois pós-doutorados e as restingas e remanescentes de Mata Atlântica são seus campos de pesquisa. A bióloga já teve artigos científicos publicados em várias partes do mundo.

"Todas nós que lideramos equipes já ouvimos que somos autoritárias, difíceis de trabalhar, que queremos ter sempre a razão,  tudo por termos cargos superiores e naturalmente precisarmos tomar decisões".

Talvez não seja exagero dizer que a música-tema da vida dessa mulher de 1,56 m, mas que se agiganta nas pesquisas de campo, pudesse ser a dos filmes de Indiana Jones.

As descobertas científicas que ela faz não envolvem relíquias judaico-cristãs e o que encontra em seus estudos não é disputado a preço de ouro, mas deveria ser.

Para realizar o seu trabalho, na vida real e em cores, jogar a mochila nas costas, dormir sob as estrelas e enxergar animais minúsculos em resquícios de Mata Atlântica e de restingas Brasil afora fazem parte da rotina.

Jane de Oliveira é bióloga PHD com dois pós-doutorados, herpetóloga, ecóloga e especialista em anfíbios e répteis, no que leva vantagem sobre o personagem cinematográfico.

Indiana Jones tem medo de cobras e Jane tem esse réptil como um dos seus objetos de estudos. O personagem vive sob holofotes, com apoio financeiro de sobra para se aventurar em busca de tesouros.

Jane é defensora ardorosa da vida dessas espécies que são perseguidas e mortas, quando deveriam ser preservadas, como tantos outros seres da fauna brasileira.

A pesquisadora lamenta que uma crise gigantesca tenha se abatido sobre a pesquisa do Brasil, quando o investimento caiu de R$ 13 bilhões para apenas R$ 4 bilhões.

Mas isso não a impede de trabalhar discreta, mas eficientemente, longe do oba-oba, e de produzir grandes resultados para as pesquisas relacionadas à suas áreas de especialidade.

A bióloga destaca que não gosta de dizer que descobriu espécies a partir do seu trabalho.

Segundo ela, prefere falar em contribuição, e que acha que desde os primeiros estudos conseguiu fornecer dados significativos para a ciência.

“Sempre tentei fazer estudos que preenchiam lacunas de conhecimento. Que não havia informações ainda. E desde o Mestrado cumpri esse papel, pesquisando em áreas onde ninguém tinha ido e revelando informações novas para a ciência. Muitas pessoas querem os louros, mas não têm disposição para encarar o sol e a chuva e as dificuldades de uma área muitas vezes inóspita”, pontua.

Entre os estudos realizados, a diversidade do Monumento Natural da Serra das Torres (Monast), entre os municípios de Atílio Vivácqua, Muqui e Mimoso do Sul.

Jane destaca que das espécies raras de répteis do Espírito Santo, 27% estão no Monast, sendo endêmicas da Mata Atlântica.

No local, remanescente importante da Mata Atlântica, ela encontrou 89 novas espécies, inclusive algumas ameaçadas de extinção, onde nenhum outro pesquisador havia ido antes.

Desse número, 30% tinha menos de cinco indivíduos registrados no Estado, informa a pesquisadora.

“É o caso da rã do riacho (Thoropa lutzi), que está praticamente extinta no Rio de Janeiro, onde não existem registros da espécie há mais de 40 anos.

Com vários artigos publicados em conceituados periódicos em várias partes do Brasil e do mundo, Jane de Oliveira publicou recentemente na revista científica alemã Zoologischer Anzeiger.

O artigo “Anfíbios do Monumento Natural Serra das Torres: um reservatório da biodiversidade da Mata Atlântica no Sudeste do Brasil” revelou que a Unidade de Conservação preserva diversidade considerável de anfíbios da Mata Atlântica, reforçando a necessidade de conservação desse remanescente florestal.

Nessa entrevista, vamos saber um pouco mais dessa pesquisadora e dos desafios que enfrenta para realizar o seu trabalho num ambiente eminentemente masculino.

 

Quando se descobriu com talento e vocação para a pesquisa?

Tive muita influencia dos programas de TV que passavam quando eu era adolescente. Eram programas que mostravam a natureza, apenas, e naquela época eu só sabia que queria estudar bichos. Entrei pro curso de Biologia, que nunca foi uma dúvida pra mim. Sempre tive certeza que gostava desse trabalho. Não houve um momento em que eu dissesse: “quero ser pesquisadora”.

Aos poucos isso veio como consequência do aprendizado que fui tendo na faculdade. O pesquisador é só alguém muito curioso, que tem mais perguntas do que respostas e que quer responder a tudo isso. E nunca para, é um ciclo viciante de querer saber mais e mais.

Cada vez que um pesquisador olha pra uma floresta ele enxerga uma infinidade de “mini universos” ali dentro, e quer explorar todos eles. Um único riacho dentro  de uma floresta pode responder centenas de perguntas que passam pela nossa cabeça e isso, quase sempre, nasce com a gente. Acho que todos nós podemos ser cientistas, desde que a gente desperte esse sentimento de curiosidade logo cedo.

 

As suas brincadeiras de infância já indicavam que você seria bióloga?

Tenho histórias que minha mãe conta de situações minhas com bichos quando a gente morava na roça, mas na verdade eu me lembro pouco da minha infância. Eu cresci na natureza, era meu universo acordar e olhar para o mato e para tudo o que tinha ali, então, indiretamente isso deve ter me influenciado muito. A verdade é que eu nunca “escolhi” ser biológa, eu só sabia que seria alguém que trabalharia com bichos. Foi natural, embora não exista uma romantização disso, não significa que ser bióloga é algo de “missão divina” ou nada desse tipo. Também não aceito que digam que biologia é “estilo de vida” ou “trabalho por amor”. É uma profissão como outra qualquer, que exige muito trabalho, muito esforço e muito estudo.

 

Qual é o maior desafio da profissão?

Um desafio histórico, e o mais doloroso, é convencer as pessoas de  que o nosso trabalho é sobre a qualidade de vida de todos. Parece fácil e óbvio falar com a sociedade que se ela derrubar as florestas, nós vamos ficar sem água. Mas de maneira impressionante, as pessoas preferem acreditar nos políticos que dizem que “isso não é verdade”. Na cabeça das pessoas, os milionários que têm fazendas imensas de soja, gado e outras indústrias, pensam no bem estar delas e que eu, que nada ganho com isso, estou mentindo. Vemos pessoas que não lucram nenhum centavo com a indústria da soja defendendo os ricos proprietários dessas fazendas, enquanto a água do riachinho que passava perto da casa dele seca, enquanto o clima está mudando anualmente a passos largos.

A maior dificuldade, certamente é fazer as pessoas entenderem que quando eu falo sobre “desmatamento, queimadas, conservação” eu não estou falando em nome de partidos políticos. Isso está sendo uma loucura maior ainda nos tempos recentes! Tem sido difícil descobrir que as pessoas desconhecem o mínimo sobre biologia e que interpretam tudo como informações de defesa de políticos. A ciência não está nem aí pra qual político está usando as nossas informações no trabalho deles. Seja lá qual partido for, ou qual político que esteja colocando em prática o conhecimento gerado ao longo dos séculos de estudo que fizemos, nós vamos gostar de ver isso. Não vai mudar nada se for o político X ou Y, a ciência não muda para agradar ninguém e  a natureza, da mesma forma, não vai reagir de maneira diferente só porque mudou o político.

 

É discriminada ou assediada por trabalhar no campo, onde a presença de mulheres é mais incomum?

Sim, e surpreendentemente na maior parte dos casos por colegas de profissão. Depende bastante de onde eu trabalho, mas o machismo está presente de muitas formas. Felizmente hoje tenho comigo colegas respeitosos e que fazem parte de uma equipe fixa nas minhas pesquisas e trabalhos de consultoria. A gente vai aprendendo a eliminar o que nos faz mal.

 

Você já foi chefe de equipe. Como foi essa relação com pesquisadores da sua equipe?

Existe uma dificuldade imensa de aceitarem quando uma mulher coordena um projeto e não eles, homens. Isso é algo comum com minhas colegas de profissão também, e certamente também não é exclusividade da biologia, ocorre em todos os setores. Mas de maneira quase absoluta, todas nós já ouvimos que “somos autoritárias, difíceis de trabalhar, queremos ter sempre a razão”,  tudo por termos cargos superiores e naturalmente precisarmos tomar a frente e tomar decisões.

Muitos dos colegas levantam a bandeira de “apoio as causas das mulheres”, mas não suportam a nossa presença como chefes de equipe. Como resultado, mulheres sempre que puderem ser substituídas por homens serão. Tive muitos casos de convidar homens para trabalhar em projetos meus e ter constantes e desgastantes problemas com a falta de ética e profissionalismo, gerando situações insustentáveis ao longo do projeto. Em absolutamente todos os casos em que eu tive problemas no trabalho foram com colega homens, meus convidados em projetos meus, que não aceitavam que eu tomasse as decisões e coordenasse a equipe. E a verdade é que não há nada no meu trabalho que mulheres não possam fazer sozinhas.

 

Qual foi a experiência mais gratificante da vida profissional?

Ter feito parte da criação do MONAST certamente foi um marco na minha profissão. Na época eu era apenas uma estagiária mas já sabia o quanto estar naquele projeto seria importante. Não é sempre que fazemos parte do processo de proteção de uma floresta e isso vai me marcar pra sempre.

 

Qual foi a mais frustrante?

Desde que entrei na graduação nunca vivemos uma crise tão grande na pesquisa do Brasil como agora. Saímos de um nível de 13 bilhões em investimento na pesquisa brasileira em 2015 para chegar agora em 2020 aos 4 bilhões. Tem sido frustrante ver tantos colegas sem emprego, com projetos interrompidos, laboratórios ficando sem recursos mínimos. A falta de esperança e de ânimo do pesquisador no Brasil está chegando a níveis insustentáveis. Muitos estão indo embora do Brasil, os que ficam estão procurando formas de pagar as contas, que são variadas e difíceis de aceitar. Não há frustração maior do que ser pesquisador a vida inteira e agora sermos descartados e jogados para baixo de um tapete.

 

Fale de sua família e da importância na sua vida e na sua carreira.

Minha mãe foi empregada doméstica e meu pai pedreiro. Ambos estão aposentados hoje. Trabalharam muito duro para me ajudar a chegar aqui e certamente eles têm muito orgulho do que fizeram. A vida foi difícil em muitos momentos, mas encontrei ainda pessoas ao longo do caminho que me ajudaram muito e me ajudam até hoje. Criei famílias em muitos lugares, como no Monast, onde mantenho um relacionamento de mais de 10 anos com proprietários que me tratam até hoje como parte da família deles.

 

(Link dos numeros de investimento em pesquisa: https://pensaraeducacao.com.br/blog/financiamento-a-pesquisa-um-projeto-de-destruicao-nacional/)

 

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