sáb 7/setembro/2024 21:21
Pesquisar
Close this search box.
Capa
Geral
Cachoeiro
Política
Oportunidade
Saúde
Educação
Economia
Agro
Segurança
Turismo
Esporte
DiaaDiaTV
Publ. Legal
Mundo Pet
Cultura

“Clube das dondocas”, será?

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

Mulheres afegãs, sob o regime do Talibã, são proibidas de lecionar ou frequentar a Universidade de Cabul. A ativista paquistanesa, Malala Yousafzai, foi alvo de três tiros quando entrou num ônibus escolar, decidida a não parar de frequentar a escola, transformando-se num símbolo da luta das mulheres pelo direito à educação. No mundo, um em cada cinco adultos não sabe ler e escrever. Cerca de dois terços dos analfabetos são mulheres (861 milhões são mulheres adultas e 113 milhões, meninas). No Brasil, do total de analfabetas, 550 mil estariam entre 15 e 24 anos e, entre essas, cerca de 389 mil são jovens mulheres negras. Note-se que a grande maioria – cerca de 88% – das mulheres analfabetas tem mais de 30 anos.

Para todas as pessoas, o hábito da leitura, o amor pelos livros, a vontade de aprender, de ampliar e aprofundar o entendimento sobre o mundo e suas engrenagens é, em si, uma ação transformadora. Porém, para nós, mulheres, é algo revolucionário. Todos os direitos que conquistamos foram adquiridos com lutas árduas e, ainda assim, convivemos com a ominosa e cotidiana possibilidade de que eles nos sejam negados novamente, a qualquer momento, pelos governantes da vez.

E por que esse título? Porque segundo Simone de Beauvoir “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.” Sendo bastante clara: é preciso a ajuda de mulheres para que todas nós sejamos subjugadas. Ao nos dividirem, ao nos jogarem umas contra as outras, nos solapam e nos mantêm como cidadãs de segunda classe, como aquelas para quem a literatura, como tantos outros direitos básicos de cidadania, são inacessíveis ou considerados itens de luxo.

Há quase três anos, organizo um clube de leitoras. Desde o início, nos propomos a aceitar somente integrantes mulheres como forma de garantir um espaço de fala seguro e respeitoso para todas. Além disso, desde o primeiro livro até agora, lemos somente autoras mulheres, do Brasil e do mundo. Decidimos por esse recorte a partir das perguntas: quantas escritoras mulheres você admira? Quantas estão na sua estante? Quantas você citaria como sua escritora preferida? É um processo reparador e curador com o objetivo de aumentar nosso repertório intelectual com base no que outras mulheres escreveram. Se somos maioria entre os analfabetos, as mulheres que conseguem construir uma carreira literária, produzindo conhecimento num espaço ainda hoje dominado por homens, devem ser lidas, admiradas e consideradas relevantes, por todas nós.

Clube de Leitoras é formado por mulheres com formações em todas as áreas: professoras, empresárias, psicólogas, bancárias. Mas, também, por donas de casa, mães que cuidam dos filhos e filhas que cuidam das mães. Temos jornadas exaustivas de trabalho e cuidados, como a grande maioria das mulheres, e nos desdobramos para encontrarmos tempo para ler, para preparar nossos encontros e, principalmente, para estarmos na companhia umas das outras, formando laços de amizade e nos fortalecendo mutuamente. Em todas as nossas trocas, mencionamos o valor que o clube tem para nós, pois é um espaço de intimidade e pertencimento, de companheirismo e atuação no mundo – vivências que nos foram sistematicamente negadas, ao longo da história.

Um clube de leitoras formado só por mulheres, que só lê autoras mulheres, que se encontra presencialmente todos os meses há quase três anos é uma potência. É uma revolução em curso. É cavar com nossas próprias mãos um espaço onde nossas vozes são ouvidas e nossas opiniões são respeitadas e relevantes.

Etimologicamente, a palavra “dondoca” é redobro de dona de conotação pejorativa. É o que se diz de “mulher bem situada socialmente, que não precisa fazer esforço na vida e cujas preocupações primam pela futilidade.” Em sentido estrito, é um adjetivo que não descreve as mulheres do nosso clube e, na realidade, não deveria ser usado para se referir a nenhuma mulher, pois se trata de mais uma das muitas palavras usadas para nos rotular, nos relegar ao espaço da futilidade, da desimportância. “Puta, dondoca, histérica, baranga, frígida…” a lista é longa, mas o intuito é o mesmo: palavras usadas para desqualificar, ridicularizar as mulheres – sejam elas de qualquer classe social ou etnia – mantendo a sociedade machista como regra que nos controla e nos violenta, sistematicamente.

Para terminar, quero relembrar sobre outro direito que nos foi negado em nosso país, até 1932: o direito ao voto. A todos os leitores dessa coluna e, principalmente, às leitoras: estamos em ano de eleições municipais, portanto, valorize sua escolha. É importantíssimo termos mulheres na política, porém, atente-se para escolher candidatos e candidatas comprometidos com a manutenção e o avanço das nossas pautas. Infelizmente, mulheres também repercutem misoginia na vida privada, por isso, cabe a pergunta: como irão se comportar, caso sejam eleitas para cargos públicos? Não devemos aceitar rótulo algum, muito menos representantes mulheres cujas falas e ações nos dividem e nos diminuem. Essa é a relevância da leitura e de um clube de leitoras: mulheres que leem tanto os livros, quanto o mundo ao seu redor, não são facilmente enganadas nem por candidatos homens, nem por candidatas mulheres que, ao se lançarem à vida pública, afirmam ser comprometidas com nossa luta, mas, na vida cotidiana, reproduzem as mesmas falas e comportamentos que alegam combater.

Recado às leitoras: Se você tem vontade de montar um clube de leitura, me procure. Será um prazer ajudá-la a começar um novo projeto que reforce os laços de amizade e respeito entre mulheres e que valorize a produção e o acesso de todas nós à literatura e à lapidação de pensamento crítico.

Olivia Batista de Avelar. Escritora membro da Academia Cachoeirense de Letras

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

droga-apreendida-mimoso-07-09-2024

Drogas são encontradas em mata de Mimoso do Sul com ajuda de cão farejador

jogos-futsal-futebol-de-salao-07-09-2024

Final de semana de decisão em algumas modalidades dos Jogos Estudantis

droga-apreendida-07-09-2024

Após manobras perigosas, motorista é preso com mais de 20 kg de cocaína na BR 101

Apae de Cachoeiro

Ferraço promete construir nova Apae em Cachoeiro

protesto-marcao-06-09-2024

Protesto em Cachoeiro clama por justiça após morte de agricultor na zona rural

visita-governador-marataizes-06-09-2024 (4)

Mais de mil obras em andamento no ES, informa Casagrande durante visita a Marataízes

padre-fabio-de-melo-17-08-2024 (1)

A pedido da Igreja Católica, show do Padre Fábio de Melo é remarcado para ano que vem

marcao-agricultor-assassinado-05-09-2024

Familiares e amigos protestam em Cachoeiro por justiça na morte de agricultor

Leia mais
plugins premium WordPress