Reunidas ao redor do Samovar, diferentes gerações de mulheres iranianas tecem seus longos bordados: histórias de vida, fofocas, amarguras, implicâncias, sexualidade. Tudo é falado, nada ficará escondido por muito tempo. A sabedoria das mais velhas deve ser internalizada e respeitada – Como eu serei quando chegar à idade da minha avó? – a inocência e inexperiência das jovens deve ser relevada – Nessa idade, eu era mais madura e não tinha tantas dúvidas… – um jogo de espelhos. Imagens turvas sobre si mesma em diferentes estágios da vida. Autorreflexão a partir do cotidiano de cada geração.
As linhas de costura dão lugar às palavras. Os desenhos surgem das decisões tomadas, dos desabafos, do acolhimento encontrado ou negado, do julgamento das experientes, da inaptidão das recém chegadas ao clã. O matriarcado sempre resistiu, tramando nas bordas, às costas, às escondidas. Disfarçando em xícaras de chá a ebulição interna da vontade fumegante de ser mulher e ser o mundo.
O segundo livro do Clube de Leitoras nos recebeu à portas fechadas, na cozinha da casa – o coração do lar – onde o feminino foi acossado a reinar. Há liberdade no que é, essencialmente, clandestino? Marjane Satrapi, autora de Bordados, Editora Quadrinhos na Cia, 2003, desfila em suas lindíssimas ilustrações mulheres de sua família que também são da minha, porém com outros nomes. Nos reconhecemos em nossas diferenças. Pulsam dentro de nós e por debaixo dos mesmos roteiros e ditames sociais, culturais e religiosos o mesmo coração.
Somos todas filhas de um mesmo novelo, que se desenrola há séculos e se fortalece em estratagemas de sobrevivência para não se romper cedo demais. As mulheres exercem seu poder nas minúcias – o que poderíamos fazer e desfazer se nos fosse permitido tomar as rédeas do mundo?
O Irã e sua revolução cultural, em 1979, cobriu os rostos das mulheres para que não fossem vistas. Para que não pudessem se ver e se encontrar. E se encantar com o que somos. Escondidas dos olhos dos homens, não despertamos seu desejo. Escondidas de nós mesmas, não despertamos. É possível reinar no escuro? Há poder a ser exercido no lar que aprisiona? Por quais caminhos seguirão nossas linhas enquanto estivermos atadas às agulhas que furam nossos corpos e que costuram nossos lábios e olhos?
Ao redor do Samovar – das chaleiras, das taças, das cuias, das peneiras, das panelas – as mulheres sempre resistiram porque se espelharam umas nas outras. Lemos nas histórias das velhas o que foi nosso passado e nos sulcos de suas rugas prevemos nosso futuro. Somos as profetizas do presente, porque sentimos na pele que ele se repete. Há imenso poder num grupo de mulheres que se reúne para contar o que sabe, o que sente, o que viu, o que vê.
Até quando nos permitiremos ser aprisionadas em casas sem janelas, em corpos sem rosto, em bocas sem voz, num mundo que nós parimos, mas que nos afoga em uma rasa xícara de chá?