“Na avenida, deixei lá A pele preta e a minha voz Na avenida, deixei lá A minha fala, minha opinião A minha casa, minha solidão Mulher do fim do mundo Eu sou e vou até o fim cantar” Elza Soares
A canção de Elza Soares “Mulher do fim do mundo” ecoou na minha memória durante toda a leitura do primeiro livro do Clube de Leitoras – 2023. Esse ano – imbuídas de espírito desbravador e disposição para o encontro e o reconhecimento do que nos comove – nos propomos uma volta ao mundo lendo autoras mulheres de todos os continentes. Queremos saber quem elas são e o que contam no desenho de suas letras sobre o papel. Quem sabe, durante o percurso, compreenderemos melhor quem somos aos nos enxergarmos com olhos que veem e que são rodeados daquilo que pensamos estar tão longe de nós.
Uma viagem e um arejado roteiro: sabemos quais portos nos aguardam, não sabemos quem seremos após deixarmos cada um deles para trás.
Voltemos a Elza antes de chegarmos a Paulina. Afinal, quem é a mulher do fim do mundo? Quem é a mulher que sofre, chora enquanto samba, resiste e persiste até o fim para cantar, escrever, criar os filhos, estudar e sobreviver? Lendo o primeiro livro de 2023 – Balada de Amor ao Vento, de Paulina Chiziane, escritora moçambicana – senti a vertigem de pensar que iniciamos a jornada pelo fim. Pela autora que encarna a voz daquelas que são relegadas, subalternizadas, exploradas, esquecidas.
Elza nos levou ao fim do mundo e nos apresentou as mulheres que lá vivem: entre as últimas, Paulina foi a primeira mulher moçambicana a publicar um livro, em 1991.
Sarnau, a protagonista que narra sua vida e a história de amor que perpassou toda sua existência sobre a terra, e todas as outras que são invocadas e trazidas em procissão, uma após outra, ou melhor, uma ao lado da outra; diferentes rostos e nomes, histórias tão parecidas que trazem todas elas para perto de nós, para debaixo da nossa pele.
O que mais me encanta na obra de Chiziane são as descrições, as cores vívidas da natureza contrastando com a melancolia e a solidão. A consciência plural e vibrante de mulheres e homens que encarnam papéis delimitados por sua cultura ancestral, mas que exalam o frescor das matas e dos rios ao se encantarem com o mundo como se ele fosse jovem, como se as palavras nos transportassem para o alvorecer dos tempos, em todo seu encantamento e violência, sensualidade e superstição.
Na primeira parada, amarramos as duas pontas: princípio e fim. Nascimento e morte. Semeadura e poda. Ascensão e decadência. Sagrado e profano. Julgamento e carnaval. A mulher do fim do mundo nos convida a renascer, a gerar o que nos regenera. A construir o que nos reconstrói. A escarnar as feridas e delas extrair a cura – para o corpo e para a alma.
A vida é um desfile dos sonhos desfeitos no qual nos matemos altivas e atuantes, representando o papel mais difícil e vestindo a fantasia mais pesada de se sustentar: a de sermos, a cada dia, mais fiéis a nós mesmas.