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Clube do livro: A Solidão da América Latina

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

“A solidariedade com os nossos sonhos não nos fará sentir menos solitários enquanto não se concretize com atos de respaldo legítimo aos povos que assumem a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo.” Gabriel García Márquez

Você já teve a experiência de usar alguma plataforma de streaming com o perfil de outra pessoa? Seja pelo celular ou pelo computador, se você nunca passou por essa experiência tente, pelo menos, imaginá-la. A mesma sugestão pode ser usada para uma conta de Instagram, por exemplo. Quero deixar bem claro que não estou aqui falando sobre compartilhamento de senhas ou sobre invasão de contas alheias através do roubo de informações, nada desse tipo. Estou me referindo às situações bem mais corriqueiras e lícitas, como olhar o feed de redes sociais de algum amigo, com a pessoa ao lado, ou sentar-se para assistir algum filme ou série na companhia e na conta de streaming de outra pessoa. Aonde quero chegar com esse exemplo? O que quero dizer é que, muito provavelmente, ficaríamos completamente perdidos se fizéssemos isso. Não porque não sabemos como navegar nas plataformas digitais – os comandos e funções são, obviamente, os mesmos e estão organizados na interface desses aplicativos da mesma forma com que nós estamos acostumados a usá-los.

Na verdade, quando digo que ficaremos confusos e atarantados ao usar o perfil de outra pessoa faço isso para chamar a atenção para o grau de personalização que nossos aparelhos de uso cotidiano atingiram.

Ao olharmos para as sugestões preparadas sob medida para outra pessoa, sem dúvida, veremos uma enorme quantidade de filmes que não conhecemos e que, certamente, também não nos interessam. Já nas redes sociais, possivelmente, nos sentiríamos estranhos e isolados, vendo fotos de pessoas que não sabemos quem são e propagandas de produtos que não despertam em nós interesse algum. Com a pós-modernidade experimentamos, de forma ainda mais aguda, a solidão compartilhada. Uma sociedade que, lentamente, constrói e é construída – com a atuação radical dos algoritmos – por uma massa de indivíduos que, apesar de estarem próximos uns dos outros, enxergam o mundo e suas nuances de forma absurdamente diferente e, a cada dia, com menos pontos de contato entre esses mundos profundamente particulares.

Apesar de esse ser um movimento global que se encaminha não se sabe bem para onde, nossa solidão se torna ainda mais visceral e palpável aqui, em nossa complexa e invisível América Latina.

A frase que abre essa coluna foi proferida pelo autor Gabriel García Márquez em seu discurso de aceitação do Nobel de Literatura, em 1982. Colombiano, Márquez é representante de um gênero literário essencialmente latino americano: o realismo mágico. Tive a grande felicidade de, por duas vezes, compartilhar a leitura de seu incomparável livro Cem Anos de Solidão com amigos de dois clubes do livro diferentes. A primeira vez que visitei Macondo – cidade onde se passa quase toda a trama dessa história inesquecível – foi em 2020 e, há poucas semanas, reli a parte final dessa obra novamente, com outro grupo de amigos leitores. Essa diferença temporal, de apenas dois anos, foi bastante relevante para que eu sentisse e assimilasse a história contada naquelas páginas de uma maneira profundamente mais intensa e marcadamente mais transformadora. Há outro trecho do discurso de García Márquez que eu quero mencionar: “Antônio Pigafetta, um navegante florentino que ao passar pela nossa América meridional escreveu uma crônica rigorosa onde se lê que puseram um espelho na frente do primeiro nativo que encontraram na Patagônia e que aquele gigante ensandecido perdeu o uso da razão pelo pavor de sua própria imagem.” Ser latino americano e ler Cem Anos de Solidão é encarnar o gigante da Patagônia e se espantar com nossa própria imagem refletida no espelho criado pela literatura genial de Gabriel García Márquez.

Traçando um paralelo com a reflexão que abre essa coluna, percebemos a nossa solidão pessoal quando observamos o feed de aplicativos de outra pessoa e entendemos como esse mundo totalmente personalizado nos distancia e isola enquanto nos convence de que nos entrega praticidade.

De maneira similar, quando lemos as páginas/espelho de García Márquez, somos confrontados com a nossa solidão coletiva: a de nos assustarmos e não reconhecermos a nossa própria identidade descrita pelo autor, ao ponto de considerarmos irreal e mágico aquilo que verdadeiramente somos, visto que nos construímos e nos entendemos como pertencentes a uma realidade que não só não é a nossa como que também nos rejeita e exclui. Precisei de dois anos para me reaproximar e me reconciliar com o que me mostrou o autor, com meu próprio reflexo que me olhava de volta lendo as palavras gravadas no livro. Não precisarei de tanto tempo assim para, além de reconhecê-la, admirá-la e amá-la como sei que devo.

Mesmo antes da internet, dos smartphones e da rapidez e eficiência da atual disseminação cultural sobre nós – que formamos a periferia do capitalismo – por parte de países que são considerados potências mundiais, essa força imperialista já existia e era esmagadora. Hoje, com os avanços tecnológicos, ela é absoluta, totalitária, irrefreável.

A solidão da América Latina, segundo Márquez, é feita da nossa incapacidade de autorreconhecimento e do desinteresse dos não latinos – norte-americanos e europeus, principalmente – de nos verem como realmente somos e não apenas de nos medirem “com a mesma vara com que se medem”, o que nos relega, sempre, ao lugar da lenda e do inacreditável, do excêntrico e do fantasmagórico e, ao nos distanciarem de sua realidade, também nos afastam da nossa própria e da possibilidade palpável de superarmos nossas mazelas e de nos construirmos como seres humanos que sonham seus próprios sonhos e que se esperançam com sua própria utopia.

Nossa solidão é a daqueles que não têm vida própria. É a solidão do americano/europeu imaginário, que considera atípica e bizarra a saga da família Buendía nas páginas de Cem Anos de Solidão e se identifica e se reconhece nas cerimônias do chá inglês ou com o patriotismo estadunidense.

Somos solitários porque, de fora, somos considerados categoricamente estrangeiros e estranhos e, entre nós mesmos, não nos deixaram saber quem realmente somos.

É com essa formação – com a ausência de história própria e de mente autônoma e de corpo liberto de slogans e de coração e afetos cooptados em nosso total detrimento – que consumimos produtos, cultura e serviços. Que somos apagados através da ilusão de que escolhemos o que assistir, ouvir, comprar, reproduzir. A ilusão de que somos nós que escolhemos qual imagem vamos amar. De que escolhemos líderes políticos que nos representam. De que pertencemos, de corpo e alma, a um grupo de pessoas que nem ao menos reconhece a nossa existência, que nos considera parte de um universo mágico, exótico e esdrúxulo.

A nossa solidão é tamanha que não conseguimos, sequer, nos percebermos solitários e, por isso, somos amputados da possibilidade de convencermos e cativarmos aos estrangeiros e a nós mesmo de que somos, pura e simplesmente, reais.

 

Olivia Batista de Avelar. Professora de inglês, pós graduada em filosofia, apaixonada por cinema e escritora
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