O que o hábito de fazer crochê tem a ver com saber viver e com afetos? É arte? Terapia? Prazer? É tranquilidade e qualidade de vida? É passatempo? É unicamente fonte de renda?
Quem são as pessoas que se dedicam a essa prática milenar, trabalho manual surgido, segundo alguns historiadores, na Idade Média e segundo outros, no Século XVI, em 1700.
Neste momento, a cronologia não importa tanto. O que interessa é ouvir alguns crocheteiros e saber como começaram a fazer peças manuais que encantam pessoas das mais variadas gerações. E qual a sensação a cada peça concluída e entregue.
O professor de dança Patrick da Silva Friciano, de 26 anos, conta que tinha interesse em aprender a crochetar, mas achava muito difícil e não pensava que fosse possível.
“Eu sempre achei interessante, mas não sabia onde aprender. Foi quando conheci o curso da Ana Lúcia Fagundes de Assis (que por acaso é uma ótima professora) e aprendi a fazer de tudo, porém algumas coisas gosto de mais que outras”.
Ele conta que as pessoas acham o máximo quando conta que faz crochê e se admiram da rapidez com que executa suas peças, fato que foi percebido já durante o aprendizado nas aulas.
Se tem uma lição que crochetar ensina? Para Patrick, sim. O crocheteiro conta que aprendeu a ter paciência, já que a atividade exige essa característica, aliada à muita dedicação. “É muito satisfatório ver que são feitas tantas peças lindas a partir do nosso trabalho”.
Outra que se dedica ao crochê, e também ao bordado manual, é Sabrina Santos Cândido, 31 anos. Ela faz tapetes, passadeiras, bicos em panos de prato e em fraldas. Trabalha em média oito horas por dia, já que os trabalhos manuais são sua única fonte de renda.
Relata que aprendeu com uma vizinha quando tinha 14 anos e que o trabalho é um complemento para pagar a faculdade de Letras, outras despesas pessoais, e quando dá, também para ajudar a família.
“Fazer crochê acalma, prende a atenção. Não tem nem tempo para o estresse. E a satisfação de ver a peça pronta é um baú de emoções. Junta a alegria de quem faz com a satisfação e felicidade do cliente em receber a peça”, enfatiza.
A contadora de história que resgata memórias e afetos com agulhas e linhas
Maria Elvira Tavares Costa e multifacetada. Das muitas habilidades que carrega, a de crochetar está entre elas. Está sempre cercada de linhas e agulhas, especialmente em tempos de pandemia, sentada num sofá coberto por uma relíquia que ganhou da avó, uma colcha.
Aprendeu o ofício com a avó paterna, ainda bem menininha, conforme destaca. Ela diz que na adolescência começou a comprar revistas sobre o assunto, e se arriscou um pouco mais, embora tenha se afastado da atividade em função da correria da vida e dos outros afazeres que a ocuparam.
“O velho ofício foi ficando só para o “de vez em quando”. Até que finalmente o crochê voltou cada vez com mais espaço e força. Hoje ocupa parte essencial da minha vida: ofício, terapia e arte. Gratidão, vovó”, destaca a artesã.
Maria Elvira lembra que hoje as coisas são mais fáceis, e que o YouTube traz grandes mestres para pertinho, possibilitando evolução nas técnicas e muitas ideias novas e instigantes.
“A sensação de fazer crochê é maravilhosa. Criar o belo; dar forma ao fio; de alguma maneira, enquanto a gente trabalha com as mãos, a cabeça e o coração também nos moldam”.
Mas existe outra lição preciosa que Maria Elvira diz ter aprendido com a avó Tila. “Vovó me mostrou a importância de desmanchar o trabalho cada vez que erra. É doído, principalmente quando já fizemos muitas carreiras – entretanto, aquele pontinho de nada, quando errado, é capaz de atrapalhar todo o desenho da peça à medida que vamos finalizando”
Segundo Elvira, esta foi uma lição fantástica de humildade, de compromisso com o trabalho e de esperança. “Errar é humano, permanecer no erro não. Desmancho sempre que necessário, o crochê e vida”, pontua.
Existe uma peça que tenha sido muito especial? A crocheteira diz que quanto mais linda, mais se apega a ela, e que isso é um problema, porque chega a ficar um vazio.
Fala de um um caminho de mesa que fez há pouco, em fevereiro, encomendado por uma amiga / irmã, que deu a ela a responsabilidade de escolher o modelo.
Ela conta que escolheu o mais lindo. Muito trabalhoso, mas que o resultado foi fantástico. Porém, aconteceu que a pandemia fez com que os materiais rareassem, encarecessem e algumas cores não fossem mais encontradas.
“Adquiri barbantes de uma marca diferente, mas, conhecidíssima – acreditei. Fiz as flores vermelhas (lindas, em 3D), sobre o fundo branco. Porém, antes de entregar o trabalho, resolvi lavar – porque branco é branco, né? Pois é, ficou vermelho. Cor de sangue. Uma dó. Enfim, fiz outro trabalho para a amiga, lavei o caminho com todos os possíveis tira-manchas do mercado e tudo que consegui foi que ficasse rosado. Não me desfiz dele, coloquei-o sobre o meu teclado. Mamãe passava a mão e dizia que era lindo”.