O que move cada indivíduo? O que nos faz seguir adiante, acordar todos os dias, cumprir nossas obrigações, engolir a comida e os desgostos, esperar pelas horas que não passam, driblar o tempo que não nos pertence, produzir o que não é para nosso consumo, ser a mão de obra de um mundo que nos escapa e que parece que nunca vai nos pertencer?
Em Toritama, uma pequena cidade no interior de Pernambuco, existe um polo de fábricas de jeans. O filme “Estou me guardando prata quando o carnaval chegar” foi o primeiro que assistimos para o Clube do Filme, em abril de 2020.
A antiga cidade rural deu lugar ao barulho das máquinas de costura e os antigos lavradores se tornaram pequenos proprietários de confecções. Homens e mulheres que dedicam mais de dez horas por dia de suas próprias vidas com o intuito de ganhar a vida. E aguardam, ansiosamente, pelo carnaval – os únicos dias do ano quando retomam para si mesmos a posse de seu tempo vital.
“Gravidade” foi o último filme do clube. Partindo de Toritama, a tela do cinema nos levou para as estrelas. Mas seja aonde quer que possamos chegar – através de nosso esforço, da nossa inteligência, do trabalho ou dos tropeços – sempre carregaremos conosco nossa perecível carcaça humana e nosso frágil cérebro humano.
Não importa a jornada: curta ou longa. Não importa o tempo: medido em carga horária trabalhada ou flutuando frouxo pelo vácuo infinito. A marca humana é sua finitude, nossa vontade infinita conflitando com nosso conhecimento limitado.
Se não sabemos para aonde estamos indo, Toritama nos empresta sua singela resposta: vamos ao mar. O mundo é grande e do espaço nada se sabe ao certo. Há que se admirar a saga Toritamense, que morre 361 dias do ano para viver quatro dias de carnaval. Os quatro dias de mar e festa que fazem esquecer e valer todos os outros dias de auto anulação e cansaço. A vida é trágica e Toritama olha nos olhos do abismo enquanto muitos de nós procuramos nossas respostas nas estrelas. Não há nada além. A vida é agora.
E como estará Toritama agora? No ano sem carnaval, se guardaram para que? Talvez, esperem o próximo. Talvez, continuem mortos. Talvez, e só talvez, os mortos sejamos nós e Toritama siga costurando os fios do tempo – como as moiras gregas que tecem e decidem quem vive e quem morre.
Que não tenhamos pena de Toritama, forjada no sol e no aço. Tenhamos pena de nós mesmos, seus tão semelhantes na morte em vida e que muitas vezes não esbaldamos a alma à prestação nem mesmo por quatro dias e não nos escrevemos odes e não nos coroamos a carne com água salgada e folia orgiástica e profana. Toritama vai bem. O espaço é irrelevante. Precisamos saber de nós.