“Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.”
O discurso me chega tão despretensioso, de flores, de ventos que o libertam ou de anseios que fazem questão de prendê-lo. Não sou a mais sábia nem medíocre que não possa dar asas ao que insinuo escrever, ao que pretendo trazer para perto ou afastar de mim.
A escrita, por vezes, é cambaleante, desliza entre pedras pontiagudas, atropela sonhos tão bem guardados e segue sem esmorecer, sem qualquer intenção de resgatar esmolas de um tempo. Ela é alinhada ao que eu vivo ou pretendo, ao que aguardo e ao que deixei escapar, escorregar de mim.
Graças a ela encontrei portos e soltei amarras, atraquei e resolvi guiar marés. Dei de acreditar em tantos símbolos e me tornei tão cética com sentimentos. Ela me devolve o que perdi há tempo e me arranca as precisões que cultivei com tanto zelo.
Graças ao seu arsenal e sua ausência, aproximo de mim e me alieno. Bordo elementos factuais e enovelo metafísicas, agrado plateias e escapo com minha fiel solidão. Dou de gritar com força uterina com as palavras que me aproprio e nego sentenças de existência até minha próxima morte.
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Não sei nada nem creio ter. Não canto o vindouro e nem decreto poemas guardados em gaveta. Sou apenas a incerteza que perambula nas construções menos observáveis. Não há mundo em tijolos, organizado com cimento, nem há o que recolher com as mãos. A vida é apenas isso; o que sempre nos aguarda.
Minha escrita tem me levado ao acampamento de outras possibilidades. Ela tem amansado o que explode e tem me provocado a ira. Não melhoro meus alicerces, sou a invenção do que não me propus ser. E por conta do caos instalado e do afeto nas manhãs de inconstância, escrevo, lustro o papel com palavras adocicadas e aquelas com fel, que não cicatrizam a boca e nem o mais leve coração.
Vi que, mesmos sujeitos errantes, com tanto a dizer, mesmo com tantas faltas e lacunas, temos a palavra como elemento de coragem, de catástrofe, de amor e de desordem. Temo-la como semente e folha seca, sedimentada em solo úmido e, por vezes, seco também, como universo pairando e cômodos empoeirados. Ela que nos enlaça, nos aproxima como vi, nesse sábado, e nos dá a precisa ideia de “insaciedade”.
Somos mortais demais para desafiá-la, bastando a nós, escritores, ceder aos seus mandos e relativizar os impropérios da existência, a poesia descosturada nas banalidades, as vertentes que nos sustentam e o afeto que nos permite sentir. É a escrita- a tentativa de vida- que permite a tantos olhar o outro e reinaugurar importâncias recolhidas de uma prosa, um poema, uma história.
Recolhida e tratada a escrita, escorre no papel e costuma deslizar entre outros olhos. São nestes olhos que perpetuarão tantas palavras e outras que, ainda, desavisadas, permanecem por aí. Sou feliz – ou quase- porque escrevo.
Uma resposta
Oh, querida cronista, excelente professora, quant facilidade em trabalhar com as palavras… muito bem.
Não deixe de mostrar seus textos, que trazem seu lirismo muito particular.
Vai um abração…