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Filme Central do Brasil – a mente e o coração dos brasileiros

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

“Conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente (os pobres) a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos”. Essa foi uma fala do ex presidente do Uruguai, Pepe Mujica, em entrevista ao jornal El País, há três anos. Em sua fala, ele ressalta quais teriam sido as falhas dos governos de esquerda na América Latina. Não digo que podemos identificar, aqui no Brasil, os anos de governo entre 2002 e 2016 como sendo objetivamente de esquerda, mas, levando em consideração a história de nosso país, foram esses os anos em que existiu, por parte das lideranças do poder executivo, um maior interesse, foco e gestão voltados para a diminuição de pessoas em situação de extrema pobreza e para a inclusão social. Retorno à fala de Mujica: uma inclusão social via consumo.

O filme Central do Brasil, 1998 – disponível na Globoplay – levou o Brasil para a cerimônia do Oscar de 1999, com indicações de melhor filme estrangeiro e melhor atriz, para Fernanda Montenegro. Porém, a obra, dirigida por Walter Salles não ganhou nenhuma estatueta. A história contada no filme é dura, mas ela nos é entregue de uma forma lírica e comovente. Central do Brasil não é um filme brutal – mas a ferida que ele esgarça é. Dora, personagem de Fernanda Montenegro, é uma professora aposentada que complementa sua parca renda escrevendo cartas, que são ditadas por pessoas analfabetas que querem e precisam enviar notícias e fazer contato com seus familiares. Ela se senta para ouvir e escrever na Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, e escreve, em sua maioria, cartas endereçadas a outros estados, quase sempre para o Norte ou Nordeste do país. Só esse recorte do filme já nos mostra de forma escancarada o rosto de uma parcela obscenamente ampla da nossa população: trabalhadores, de pouquíssima ou nenhuma instrução, vagando por um país de proporções continentais à procura de melhores condições de vida, de emprego, de cidadania.

Por si só, a necessidade – pois não se trata de uma escolha, mas sim de uma imposição social – de deixar sua terra natal e suas origens e migrar para outra região em busca de salário e dignidade, já denuncia nossa imensa desigualdade geográfica relacionada ao estudo e acesso ao trabalho.

É na Central do Brasil que Dora conhece Josué, filho de nove anos de uma de suas clientes, que fica órfão depois que a mãe morre atropelada por um ônibus. Mesmo relutante, ela embarca em uma longa viagem Brasil a dentro, para chegar até o pai de Josué – que o menino nunca conheceu. É durante essa jornada que cada frame desse filme grita da tela. Eu acredito no poder comunicador do cinema: em sua capacidade de contar histórias que nos comovem e que, uma vez capturada nossa emoção, histórias que se transformam em perguntas, em reflexão, em alimento para nossa formação enquanto cidadãos.

Foi desse filme que me lembrei quando assisti a vários vídeos de caminhoneiros por todo o Brasil, nos últimos dias. Foi pensando nos analfabetos que ditavam cartas para Dora que me peguei pensando sobre o corpo, a mente e o coração de nosso povo.

Um povo, histórica e tristemente, acostumado com tão pouco – pouca comida, pouca educação, pouco trabalho digno, poucos direitos, pouca cidadania – que acaba por amar e idolatrar os próprios poderes e figuras que mais os esmagam e manipulam. Não cairei aqui na armadilha cretina de dizer que o “mal do Brasil é o pobre que não sabe votar”, pois o Brasil tem donos – poucos e muito ricos – e são esses que, mesmo raramente mencionados, são os verdadeiros responsáveis pelos atrasos planejados e absurdos político-sociais que somos, todos nós, obrigados a engolir todos os dias. Mas foi pensando no filme de Walter Salles, em Dora – tão real em sua dor e solidão no final da vida -, pensando na mãe de Josué que é o coração pulsante da mulher brasileira e que foi morta de uma forma tão estúpida, e olhando para o rosto do pequeno Josué – órfão, sozinho, desamparado e longe de casa – que me pergunto:

se tratamos o fato de ter dinheiro para comprar feijão como acesso à cidadania, então ser um cidadão é poder fazer três refeições por dia?

Isso é muito pouco. Pouquíssimo. Mas, se tratamos o fato de ter dinheiro para comprar um carro, para fazer festas, para viajar nas férias, para fazer procedimentos estéticos também como acesso à cidadania, então ser um cidadão é ter dinheiro – e me refiro aqui ao dinheiro proveniente do trabalho, não vou enveredar pelas formas ilegais de enriquecer – isso também é pouco – talvez ainda menos do que o acesso à alimentação.

O que me assombra é o pensamento insistente de que o brasileiro não sabe o que é um cidadão e o que é necessário para se tornar um, no sentido máximo que a palavra expressa e representa. Os “analfabetos” de Dora são muitos: alguns estão esmagados em trabalhos análogos à escravidão, em cidades sem acesso ao ensino básico, em vidas conturbadas que os impedem de avançar ou concluir os estudos. Porém, muitos outros analfabetos exibem sua ignorância com profundo orgulho, desfilando em carros caros e roupas de grife, exibindo diplomas que não dizem nada além de comprovarem o fato de que eles estão aptos a exercerem uma função profissional. A grande maioria desses analfabetos foi jogada nessa situação – nunca tiveram escolha -, mas muitos encarnam e carregam seu analfabetismo funcional por toda a vida – unicamente pelo fato de não saberem a clara, óbvia e absoluta diferença entre um consumidor e um cidadão. Aos que tem nada, resta a sensação de que qualquer migalha é muito. Aos que tem muito, sobra a certeza de que cidadania se compra. Bom avisar aos caminhoneiros que o Brasil não parou e que temos muita, muitíssima estrada pela frente. E para o longo caminho: filmes – e eles farão, com certeza, toda a diferença.

 

Olivia Batista de Avelar. Professora de inglês, pós graduada em filosofia, apaixonada por cinema e escritora
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