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Filme: Memórias de uma Gueixa – o século 20 e o fim dos mistérios do mundo

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

Uma das minhas cenas preferidas do cinema é do filme King Kong, de 2005, dirigido por Peter Jackson. A personagem Ann Darrow – interpretada por Naomi Watts – é uma atriz e está desempregada. Ela mora em Nova York e tem dificuldade para se sustentar em meio à Grande Depressão após a crise de 1929. Sem alternativas, Ann embarca em um navio para rodar um filme que será gravado em uma ilha inexplorada. Um pedaço de terra que não aparece nos mapas, um lugar distante e não habitado que nem mesmo a equipe de produção sabe ao certo onde se localiza. Ao subir no navio, a câmera mostra somente a mão de Ann – se apoiando no vacilante corrimão da embarcação velha e enferrujada – e, depois, com trilha sonora crescente, mostra seus pés: o primeiro passo daquela jovem e infeliz atriz de vaudeville rumo ao total desconhecido.

Nas páginas do clássico Moby Dick – de Herman Melville, publicado em 1851 – são muitos os capítulos dedicados a descrever minuciosamente uma baleia. Em 2022, qualquer criança em idade escolar consegue apontar, explicar e reconhecer esse animal. Mas, no século 19, os relatos dos marinheiros que viam uma baleia – não inteiramente – e voltavam para terra firme o pintavam quase como um monstro marinho, uma criatura mítica, um enigma escondido pelo mar. Onde quero chegar ao citar uma cena desse filme e um detalhe de um clássico da literatura? Eu disse tudo isso para pensarmos sobre o mistério – algo que acompanhou a humanidade por milênios e que, no decorrer do século 20, abruptamente, parece ter encontrado refúgio somente em histórias de suspense, terror, ficção científica e crimes não solucionados.

Não é desse tipo de mistério que quero pensar sobre, mas sim sobre o mistério inerente a estar vivo, de não saber, de não conhecer, de somente imaginar o que um lugar, uma cultura ou qualquer coisa inacessível são.

Nos tempos de Melville, a grande maioria da população não sabia o que era uma baleia, portanto, a aventura narrada por seu livro – uma viagem para caçar Moby Dick – era uma história que se baseava em nosso pavor e encanto pelos mistérios do mundo. Hoje, podemos acessar pela internet, rapidamente, imagens e vídeos de muitas espécies de baleias, o que, também, retira das nossas buscas todo encantamento e aventura. Em King Kong, os personagens vivem no início do século 20 quando o mundo ainda guardava muitos lugares inexplorados que rondavam o imaginário popular e as histórias da época refletiam essa atração e esse medo da humanidade: quais são os limites do que conhecemos? Quais segredos guardam os lugares distantes? O que essas terras misteriosas escondem? Porém, nenhum outro filme ou história, na minha opinião, retrata tão bem esse desvanecer do oculto e do misterioso quanto Memórias de uma Gueixa – 2005, disponível na Netflix.

Afinal, o que é uma gueixa? Difícil responder. A maioria dos ocidentais tem dificuldade de encontrar uma definição desse papel das mulheres japonesas em nossas línguas e em nossas culturas. Muitas pessoas acreditam que gueixa é uma palavra em japonês para prostituta. Eu, inclusive, pensei assim por muito tempo. E não, as gueixas não são prostitutas, apesar de que seria preciso uma longa explicação com base na história e na cultura do Japão para entendermos que, durante séculos, as gueixas tanto se aproximaram quanto se afastaram dessa prática por muitos motivos e de muitas formas diferentes. Memórias de uma Gueixa, filme baseado em um livro de mesmo nome lançado em 1997, traz uma passagem bastante marcante sobre esse desnudamento do universo desse universo, de seu mundo encoberto e misterioso, ritualístico e formal: com a chegada dos soldados norte americanos ao Japão, durante a segunda guerra mundial, aqueles homens ocidentais não tratavam as gueixas com a reverência e os acordos sociais com os quais elas eram tratadas pelos homens japoneses. Para eles, elas eram apenas mulheres enfeitadas que recebiam dinheiro por sexo e isso transformou, segundo a narradora da história, qualquer mulher vestindo um kimono em gueixa.

E isso fez com que o encanto se quebrasse. Seu mundo recluso foi exposto e o véu que cobria essas mulheres e suas apresentações, uma vez retirado ao invés de revelar o que elas escondiam, acabou por fazer desaparecer, bem em frente aos olhos, tudo o que elas representavam.

A história é narrada em primeira pessoa. O tom é memorialista, mas há passagens quase dickensianas, que revelam a pobreza extrema da protagonista, as condições de vida pouco dignas e de trabalho infantil, sua escalada social através do aprendizado de anos para se tornar, nas palavras dela, uma obra de arte viva. Essa é sua definição de gueixa: uma obra de arte viva. Uma mulher que transforma sofrimento, dor, solidão, tristeza, através de anos de aprendizado, disciplina, técnica e abdicação de si própria para entreter os homens poderosos que podem pagar por sua companhia. Atualmente, Memórias de uma Gueixa é uma história que seria facilmente rotulada como um relato que romantiza o sofrimento das mulheres japonesas, através dos séculos. Não pretendo enveredar por esse caminho. Quero me prender ao relato ficcional que, para mim, poderia ser a história real da vida de muitas dessas mulheres e fico contente de apenas saber quem elas foram e como encontraram e construíram suas vidas, mesmo cedendo às regras implacáveis sobre seus corpos e sobre quem elas eram.
Existem, atualmente, muitos lugares onde se pode assistir aos espetáculos de gueixas, por todo o Japão. Elas ainda são famosas naquele país e sua presença em reuniões e festas e mesmo sua passagem pelas ruas causa muita sensação e frenesi. Porém, mesmo conhecendo tão pouco sobre esse país e sua cultura milenar e pensando em como podemos, hoje, acessar qualquer lugar do mundo a qualquer hora – tanto pela internet quanto através do turismo – fico me perguntando se, uma vez despidas de seus segredos, de seu pertencimento a um povo e um país que eram isolados do resto do mundo por séculos, as gueixas ainda podem se fazer existir.

Muitas vezes, me pego pensando sobre isso: se o mundo foi todo mapeado, catalogado, filmado, fotografado e desmistificado e se nem sequer conseguimos entender o que uma gueixa é – temos o direito de assisti-las dançar e tocar seus instrumentos?

Se não fazemos mais parte desse seleto grupo que compactuava com o mistério desse mundo solene e se tudo que existe é uma versão turística do que as culturas um dia foram, de verdade – uma espécie de parque temático que recebe a todos que podem pagar e não somente aqueles que, no passado, viviam e entendiam a vida dessa forma – pode existir algo de genuíno e verdadeiro no mundo? Muitas vezes, me pergunto se, ao levantar todos os véus, ao escrutinar todas as culturas, ao transformar todos os ritos em apresentações públicas a humanidade não pôde descobrir ou realmente ver coisa alguma. Como num passe de mágica as avessas, a exposição de todos os segredos e a visão coletiva de todos os mistérios fez desaparecer tudo aquilo que só podia existir exatamente por estar escondido. Talvez, depois de muitos séculos de tédio e ausência de reverência e respeito pelo encantamento e pelos mistérios perdidos, voltaremos a colocar aquilo que um dia foi único e belo por ser inacessível de volta aos seus devidos lugares de origem. Nem eu mesma acredito nisso que acabei de escrever.

Mas é misericordioso pensar em uma humanidade que não vivesse em busca de transformar tudo de raro em experiências rasas e sem valor. Porém, também é melancólico entender que todo esse processo de dissipação e de desonra dos ritos que nos construíram seja, tristemente, chamado de progresso.

 

Olivia Batista de Avelar. Professora de inglês, pós graduada em filosofia, apaixonada por cinema e escritora
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