Com seu teor alcoólico moderado, acidez apetitosa e ausência de sabores artificiais enjoativos, o vinho é um acompanhamento perfeito para a comida. Estou enganada ou um vinho bem escolhido torna a comida mais saborosa? A regra mais importante sobre a harmonização de comida e vinho é que não há regras. Você pode beber qualquer vinho com qualquer comida – até mesmo vinho tinto com camarão! – e o mundo continuará a girar, o despertador vai tocar na segunda-feira e assim caminha a humanidade.
Eu percebo que é bem comum a fala: “Tenho medo de errar no vinho” ou “Não sei que vinho combina com isso ou aquilo”. Calma, isso é absolutamente normal, diante do universo intergaláctico de rótulos, vinícolas e uvas.
Harmonizar nada mais é do que tirar o melhor proveito do alimento e da bebida quando consumidos juntos. Isso é feito desde que o homem descobriu o fogo e o vinho, é claro. O que antes era uma questão de sobrevivência, agora é sinônimo também de prazer. Desenvolvemos os sentidos e, na perfeição da criação, buscamos essa sensação perfeita e satisfatória quando nos alimentamos.
Não precisamos nem falar de vinho. Por exemplo: o pão quentinho, no domingo, com manteiga derretendo com um café coado na hora, aquele torresminho no boteco com uma cachaça mineira, um Peroá frito na beira da praia em Marataízes com uma cerveja geladíssima… são memórias de harmonizações maravilhosas da nossa cultura brasileira.
Mas já pensou no pão com manteiga com cachaça e cerveja? Ou no peixe frito e torresmo com café? Se você quiser, ninguém vai impedir e o mundo também não vai acabar, mas será que aproveitará ao máximo a experiência? É aí que entram as tradições enogastronômicas, que durante séculos já apontam algumas combinações que funcionam muito bem quando o assunto é harmonizar alimentos com vinho. Uma delas é a que chamamos de harmonização por semelhança.
Um dos pontos mais importantes na hora de harmonizar não é a cor do vinho, mas o seu corpo e peso. O corpo é a sensação do vinho na boca. É a impressão de textura, do peso da bebida em cima da língua. O corpo do vinho é a junção de todos os componentes que dão estrutura à bebida: doçura, acidez, taninos e álcool. A união dessas características determina o quão leve ou quão encorpado é o vinho.
A minha carta na manga é sempre combinar o corpo de um vinho com o poder do ingrediente mais forte na comida. Voltemos ao peixe frito na praia de Marataízes (ou a da sua preferência – risos). É um alimento de sabor delicado, mesmo frito, então podemos procurar vinhos brancos ou rosés secos, leves e frescos, para beber bem geladinho. A dica bônus aqui, já que o peixe é frito, é apostar num espumante brut nacional, que vai fazer você salivar e saborear seu peixe rezando. Depois me conta… O segredo está no gás carbônico do espumante, que trará uma sensação de refrescância em contato com a gordura da fritura do peixinho… uma delícia!
Agora, se estamos falando de carnes vermelhas, suculentas, molhos e alimentos mais pesados, então precisamos subir o corpo dos vinhos na mesma proporção. Nesse caso, podemos partir para os tintos, que são mais encorpados, mais alcóolicos e sustentam bem essa combinação. Haja vista que mais presente do que passas no Natal, Mabec no churrasco é certo! Um Tannat então, não pode ficar de fora. É uma harmonização fantástica em que os dois fatores – alimento e vinho – estão alinhados no corpo. Testa aí e me chama, tá… (risos).
Já os alimentos não tão pesados, como massas, pizzas, carnes de panela e tantos outros pratos saborosos, podem combinar com vinhos de médio corpo, de brancos a tintos. É possível encontrar o equilíbrio num Pinot Noir, Merlot e tantas outras uvas que têm essa característica mais leves.
Até agora falamos de harmonizações de alimentos salgados. Mas e o nosso docinho de cada dia? Dá para harmonizar? A regra é clara, Arnaldo: é sim, com certeza! Se estamos buscando semelhança entre os elementos de combinação, então precisamos lembrar que existem também os vinhos doces, que são chamados de vinhos de sobremesa, exatamente pelo dulçor residual naturalmente adquirido no processo ou adicionado conforme o método de vinificação escolhido. Um bom exemplo é um bolo de aniversário ou casamento com espumante moscatel. O clássico das paradas de sucesso|: vinho do Porto com chocolate meio amargo. Outro dia, no Livros e Vinhos do Auto da Compadecida, harmonizamos um pudim de rapadura, feito pela minha mãe, com um vinho doce licoroso de uva de mesa, feito em São Paulo. O doce do alimento, com o dulçor do vinho se complementam e é só sucesso!
Viu como não é nenhum bicho de sete garrafas (ou cabeças)?! O importante é não ter medo de testar, aventurar-se, tornar essa combinação de vinho e alimento a mais prazerosa possível. Se você ainda estiver com dúvidas, manda para nós aqui da redação que eu terei o imenso prazer de responder! E se testar algumas dessas dicas que aprendemos hoje, compartilha conosco.
Ótimas harmonizações! Saúde!