Quantos lados existem na história do Brasil? Quais discursos repercutimos e apoiamos, em dado momento da nossa vida, e que se provam absurdos e equivocados assim que os anos e os fatos caminham e se desdobram em novas realidades polÃtico-sociais?
Quantos de nós estamos dispostos a admitir nossos erros de julgamento, nossa miopia polÃtica e nossas atitudes movidas muito mais pelas paixões, pelo ódio e pelo medo do que pela inteligência e pela racionalidade?
O filme Hebe: a estrela do Brasil – Globoplay, 2019 – mostra a apresentadora já em seu auge, com mais de 40 anos de atuação na TV. Contando sobre sua vida e carreira nos turbulentos anos 1980 do Brasil, podemos acompanhar a apresentadora quando ela decide trazer para seu programa não só o entretenimento que beira a alienação – enquanto o paÃs convulsionava e cambaleava para deixar para trás os anos tenebrosos da Ditadura Militar – mas sim tocar em assuntos que eram do máximo interesse da população brasileira.
Hebe expôs o drama da AIDS – epidemia abafada e minimizada pelos polÃticos, assim como tem sido feito com a pandemia de COVID 19. Hebe deu voz à comunidade LGBTQ+, quando a sigla ainda não era tão usada. Hebe desafiou a censura do estado ao criticar polÃticos corruptos – censura esta que, nos anos 80, diziam que já não era mais praticada, mas que existia. E que existe: a prática de recorrer à Lei de Segurança Nacional para perseguir aqueles que discordam do atual governante está se tornando, pouco a pouco, novamente uma realidade amarga em nosso paÃs.
Cinebiografias de personalidades importantes da história do Brasil, de polÃticos, de atores, atrizes, apresentadores de TV e pessoas da música, são sempre uma forma acessÃvel e incrivelmente poderosa de aprendermos, de nos educarmos. É muito importante escolhermos filmes nacionais para assistir porque eles podem nos trazer uma visão de como a sociedade brasileira se comportava e de como as decisões e fatos do passado têm influência na sociedade e na polÃtica nos dias de hoje.
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Com o filme sobre Hebe, podemos refletir: é sábio entendermos a trajetória polÃtica do nosso paÃs, da nossa frágil democracia e o quanto uma sociedade desmemoriada se torna uma massa fácil de enganar para que se mantenha o estado injusto e antidemocrático das coisas.
É útil para uma parcela da sociedade que o Brasil continue a ser um paÃs lucrativo para poucos e cruel para muitos, situação que era ainda pior durante os anos de ditadura. E, acima de tudo, que em um estado autoritário ninguém está a salvo – inclusive o cidadão comum, que pede e clama por esse tipo de estado violento: é extremamente sensato que todo cidadão preze pelos seus direitos expressos na nossa constituição, pois, sem eles, nossa dignidade, liberdade, bem estar e integridade não duram muito.
Não há salvo conduto para os que se nomeiam cidadãos exemplares, do bem, do lado certo. Mesmo apoiando polÃticos conservadores de direita, Hebe foi perseguida e ameaçada quando decidiu que já não podia assistir calada aos absurdos contra o povo praticados pelos polÃticos. Sua posição polÃtica não a protegeu de ser um alvo de censura, de ser intimidada quando ela quis dizer e mostrar aquilo que ela via ser criminoso e absurdo. Poderosos mudam de lado muito rápido, e, em qualquer uma dessas voltas, somos nós, o povo, que sempre temos mais a perder. Sempre somos nós, todos nós, que pagamos a conta dos autoritários que os desavisados apoiam. Ao assistirmos um filme que se passa nos anos 1980, no Brasil, perÃodo de reabertura polÃtica, de elaboração da Constituição de 1988, ao vermos a realidade mais popular e real do nosso paÃs tendo como personagem uma famosa apresentadora de televisão podemos colocar nossa posição na história em perspectiva. Podemos encarar e entender em que tipo de nação vivemos.
Sempre é tempo de nos recolocarmos no lado certo da história, o único lado que nos cabe a todos, cidadãos brasileiros: o lado mais frágil e mais suscetÃvel à brutalidade e aos desmandos de estadistas corruptos, incompetentes, autoritários e genocidas.