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Idiossincrasia

luiz-damasceno-03-12-2023d
Luiz Antonio Damasceno
Monteiro Lobato

 

Confesso que o meu primeiro contato com essa palavra se deu há trocentos lá no Ginásio, na sexta série. Hoje, não se utiliza mais o termo Ginásio que foi substituído pelo Fundamental II. Estudávamos no livro de Português dos Irmãos Maristas. E um dos textos do livro de que mais gostei e ainda me recordo foi “O Fígado indiscreto”, de Monteiro Lobato, o qual narra a história de Inácio, um jovem muito acanhado que participara de um jantar e nesse fora servido fígado, alimento este em que Inácio sentia total idiossincrasia só de ouvir falar o nome. Toda uma reviravolta acontecia em seu organismo.

Quando o alimento chegou à mesa e Inácio fora servido, o rapaz comeu tudo por não ter coragem para falar que tinha aversão a ele e por vergonha. A anfitriã, D. Luísa, vendo o prato dele vazio, pediu a um dos criados que lhe servisse mais. Não vou contar a história toda nem o surpreendente desfecho para deixar o leitor curioso e poder ler, se houver interesse. Precisamos ainda formar uma pátria de leitores não apenas no livro tradicional, mas também nas Redes Sociais.

É um conto bem engraçado com pitadas de humor hilariantes e com uma sucessão de fatos por demais engraçados. Precisamos disso no contexto atual, a vida está muito pesada com os fatos do momento.

Os críticos diziam que Monteiro Lobato era sempre mal humorado e se negava a conceder entrevistas Porém, esse conto desmitifica o cidadão Lobato, uma vez que é bem divertido. Sem contar o legado que o escritor deixou na Literatura.

Nosso professor de Português era também divertido, principalmente, quando íamos ler e interpretar um texto. Lembro-me, com saudade, daquela sexta série em que no primeiro dia de aula, o professor questionou a turma algo que o prefácio do livro apresentava. Interpelou a turma sobre o que nós tínhamos em mente aprender naquele ano na aula de Português. Ninguém falava nada eu como gostava de me sentar sempre nas primeiras carteiras, fui incumbido de responder. Falei que íamos aprender Português e aí o professor disse: “mas você já fala Português desde que aprendeu a falar lá na sua família, no seu lar.”

Eu, com meu curtíssimo repertório, me expressei como pude. Foi aberto espaço para a discussão. Ninguém se manifestou! A não ser que o professor o nomeasse. O mestre, então, com muita propriedade, comentou que nós aprenderíamos o Português Língua Culta e teríamos a oportunidade de enriquecer nosso vocabulário. Momento em que registrou a palavra idiossincrasia e perguntou se alguém sabia o significado. É claro que no rodapé do texto havia o vocabulário, o significado da palavra. Mesmo assim, o mestre nos mostrou os vários sentidos da idiossincrasia e sua aplicação em várias áreas na Medicina, na religião, na Psiquiatria, na Psicanálise e nos vários contextos de um modo geral.

Fez um reforço amplo em cima da palavra e a importância de sempre saber o significado de um termo ou de uma expressão da Língua.

Fruto de pesquisa, registro agora o significado de mais esse palavrão do nosso Português. “Predisposição particular do organismo que faz com que o indivíduo reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores. (alimentos, medicamentos, etc)” “Característica comportamental peculiar a um grupo ou a uma pessoa.” Na Medicina, seria “alergia, anafilaxia, sensibilidade.”

“O termo também pode ser aplicado para símbolos. Símbolos idiossincrásicos são símbolos que podem significar alguma coisa para uma pessoa em particular, como uma cruz pode significar cristianismo para alguém, mas para outro poderia simbolizar problema, sofrimento. Pelo mesmo princípio, linguistas preconizam que palavras não são apenas arbitrárias, mas também importantes sinais idiossincrásicos.”

É senhor Lobato, por meio de Inácio, você me fez conhecer a idiossincrasia, sua amplitude e aplicação. Fico a imaginar, hoje, quantas pessoas vivem uma idiossincrasia em relação à religião, à política, a preconceitos e outras situações pequenas da vida. Criando com isso um discurso de ódio, de intolerância e não aceitação de seu semelhante. É preciso repensar valores e rever conceitos para viver em equilíbrio e harmonia.

Professor de Língua Portuguesa e Literatura aposentado. Graduado em Letras e pós-graduado, especialização em Práticas e Dinâmicas do Ensino Superior. Cachoeirense, reside atualmente em Curitiba

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