Diz-se: capricorniano nasce com alma velha. Regido por Saturno, senhor do tempo, esse signo é associado aos ossos e articulaçõesse do corpo humano. A criança saturnina é rígida, inicia a vida pela outra ponta, sofre de reumatismo astrológico.
Como que para equilibrar o universo, a cabra do zodíaco inverte o caminho da vida: remoça com os anos, suaviza por dentro, enquanto o corpo arrefece, esfarela. Infância e velhice se desencontram da idade, mas se lançam sorrisos – o capricorniano vive, primeiro, a memória, para só depois, muitos anos depois, encontrar-se com ela.
A escrita memorialista sempre me soa caprica. Reminiscências da infância saboreadas por dentes amarelos. O frescor do que não mais existe. A poeira das palavras tornando-as brilhantes. Um primeiro encontro, porém antigo. Lembranças que rejuvenescem o contador e presenteiam com as rugas da vida as feições dos leitores ainda jovens.
Os livros de Cora Coralina, autora mineira que, apesar de escrever durante toda a vida, só começou a publicar depois dos 70 anos. A obra Anarquistas, Graças a Deus, de Zélia Gattai, inteiramente feita de rememorações sobre sua infância e adolescência, na casa onde viveu com sua família de imigrantes italianos. Olhai os Lírios do Campo, de Érico Veríssimo, onde as lembranças marcantes da vida do personagem principal passam em frente aos seus olhos, enquanto ele viaja de carro para reencontrar seu grande amor do passado, são exemplos de livros memorialistas, livros sobre a passagem do tempo.
Mesmo quando encontram nossas mãos em examplares recém impressos, livros memorialistas tem alma antiga. A porosidade das páginas, mesmo que intactas, nos tocam pela nostalgia. São livros velhos, profundos, vagarosos não no que tange ao tempo necessário para a leitura, mas pelo desejo de esticarem as horas, de rolarem os ponteiros do relógio para trás. Se existem pessoas cuja marca zodiacal é nascerem com alma velha, também existem livros que mereciam já serem lançados num sebo, impressos em páginas gastas e em capas cujo manejo de muitas mãos é aparente. As marcas de uso tornariam desnecessárias sinopse e apresentação. Sua aparência anunciaria: sou um livro velho, muito velho… até que enfim nos encontramos! Venha, sente-se comigo, tenho muito o que lhe contar… espero que esteja com tempo.
A resposta de todo leitor sábio (de qualquer idade) será sempre sim, tenho todo o tempo do mundo.