Nรฃo dedicamos muito espaรงo em nossas agendas abarrotadas e em nossa personalidade em frangalhos para aprender, devidamente, como se deve morrer. Sentar-se, calmamente, com papel e caneta em mรฃos. Fazer anotaรงรตes sinceras e sisudas: como eu me sinto quando alguรฉm morre? Como eu me sinto com relaรงรฃo ร minha prรณpria morte? Como eu me sinto sabendo, durante cada mรญsero minuto da vida, que ao โserโ se seguirรก o โnรฃo serโ, chegando pontual e inexoravelmente.
Memento mori: me acabrunha a percepรงรฃo de vida que nรฃo contempla a morte como amiga e vizinha. Qualquer vida que se celebra comporta a morte em seu bojo – รฉ a efemeridade da existรชncia que faz com que os momentos sejam experimentados como filigranas de eternidade.
Me assusta uma sociedade que nรฃo se curva em respeito e comoรงรฃo sobre covas rasas no noticiรกrio da TV. Me espanta uma sociedade que trata o dia de finados como um feriado comercial e uma oportunidade de ir ร praia ou de comer churrasco. Celebrar a vida se faz em respeito aos mortos – aqueles que nos olham de soslaio e comentam entre si: โnรณs, que aqui estamos, por vรณs esperamosโ.
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A morte arranca de nรณs o respeito que nรฃo entregamos de bom grado. A vida sem a sombra de suas asas รฉ lodosa e interminรกvel – enganam-se aqueles que imploram pela vida eterna – รฉ a morte que nos encara nos olhos e nos pergunta: quer que eu te humilhe ou quer me usar para nunca mais ser humilhado? A vida, quando iluminada ร sombra da morte, nos liberta da servidรฃo para qualquer senhor interno ou externo, porque tudo, absolutamente tudo, ganha sua real perspectiva quando contrastado com nossa efemeridade e finitude.
Quando os cortejos fรบnebres cortavam as principais ruas das cidades. Quando as fachadas das casas exibiam fitas pretas e palavras de luto para avisar aos visitantes que ali se pranteava alguรฉm. Quando vestia-se preto. Quando bebia-se o morto. Quando acendiam-se velas. Quando rezavam-se missas. Quando respeitรกvamos os minutos de silรชncio.
Quando a dimensรฃo trรกgica da vida nos segura com sua mรฃo gelada e olhamos de frente para um corpo inerte, entre flores e lรกgrimas, entendemos que โpara isso fomos feitos: para enterrar nossos mortosโ – e รฉ nesse momento que o calor do sangue nos sobe ร s tรชmporas e o prazer se avisa com cheiro de gozo e glรณria, e a terra รฉ quente porque estamos sobre ela e o gosto รฉ bom porque temos fome. ร a morte que incita a gana com que devemos sorver a vida. ร ela quem nos acompanha e com quem brindamos. ร ela que nos ampara e nos diz que, quando for a nossa vez, o resto serรก silรชncio.