Meu pai era um homem crítico. Batom, esmalte, pulseiras, nada disso fazia parte do nosso dia a dia, era completamente proibido.
Coisas como livros de romance, as foto novelas ou os itens acima eram coisas de mulherzinha e se os batons ou esmaltes fossem escuros o que era coisa de mulherzinha se tornava sinônimo de julgamento.
Eu crescia sem entender os motivos pelos quais eu não podia fazer o que gostava, sem entender tais proibições. Minha mãe também não as entendia, mas se submetia a elas em silêncio.
E, em silêncio, eu moldava em mim a força para não aceitar tal destino, ou talvez tentasse me dar o que ela não poderia ter.
Ouço com frequência a frase: o primeiro ninguém esquece. Quase sempre destinada ao primeiro beijo, ao primeiro namorado e eu não sei se, felizmente ou infelizmente, não foi algo marcante ou inesquecível, na verdade, só me lembro em situações como essa, mas me recordo muito bem quando, em uma tarde, sol fresco, aquela temperatura amena da pequena cidade de Iúna envolta no clima aconchegante, trouxe para mim o que seria o meu primeiro.
Timidamente e com seu jeitinho de mãe, ela tirou da bolsa, sem embrulho, esticou a mão e me entregou algo, me dizendo:
— Você acabou de fazer 12 anos, está na hora de começar a usar, esse é clarinho, seu pai não vai perceber.
Abri, curiosa, e algo dentro de mim entendia tudo aquilo, todo aquele segredo para algo comum, um batom bem baratinho, vendido na farmácia, em um tom rosa bem clarinho e cintilante.
Apressada, fui testar o batom, o qual usei até não restar mais nada. Por meses, ele ficava escondido, mas presente nos meus lábios a cada ida à escola, à igreja, a cada saída. Por fim, raspei o que restava com palito até não sobrar nada e, por um bom tempo, guardei a embalagem. Hoje, não sei dizer o que foi feito dela e sei que depois disso vieram outros.
Atualmente, tenho uma variedade de cores e modelos e, com frequência, me lembro do meu primeiro batom que era e ainda é um batom barato, no entanto, é o batom mais caro que eu usei e que jamais vou esquecê-lo.
Para comprar um simples batom barato e me presentear, minha mãe catou café, o que quer dizer que, após a panha* do café, alguns grãos se perdem e, como as mulheres não tinham direito a um ganho financeiro, muitas delas e minha mãe e avós foram algumas dessas mulheres, voltam na lavoura e catam esses grãos perdidos com os dedos, e encontram pessoas que compram pequenas quantidades, quase uma esmola e, foi assim, com esses grãos que minha mãe – que poderia ter comprado qualquer coisa para ela – decidiu me dar meu primeiro batom.
Embora eu nunca tenha me esquecido, só muito mais tarde entendi o valor por trás daquele gesto e daquele pequeno item de maquiagem. Entendi que aquele simples batom significava uma luta pela vida, pela independência financeira e pela liberdade.
Atualmente, uso maquiagem e bijuterias o tempo inteiro, sou fã de batons escuros, vermelho e rosa, talvez para não me esquecer que, antes de mim e para me formar, mulheres fortes tiveram que driblar a vida, a falta de escolhas e me ensinar a lutar.
*Panha- palavra usada por pessoas que trabalham na lavoura de café para se referir colheita do café.