O Ministério Público moveu uma Ação Civil Pública visando a construção de um Centro de Atendimento Psicossocial para a Infância e Juventude, em Cachoeiro de Itapemirim.
A informação é de Paulo Sérgio Moreira Nóbrega, 1º Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Cachoeiro de Itapemirim, em reunião com mulheres que pretendem criar uma associação de mães de estudantes vítimas de bullying na escola.
Segundo ele, hoje os espaços para internar crianças e adolescentes são para dependentes de álcool e drogas. “Quando precisam de tratamento são atendidos nesses espaços, que não são adequados”, destaca.
Paulo Sérgio enfatiza que adolescentes vão para as clínicas particulares ou para o Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos (Capaac).
Algumas mães relataram à nossa reportagem que na maioria das vezes, fragilizadas e dopadas por medicamentos, as filhas sofrem assédio e estupros nesses locais.
Uma delas, LP, mãe de uma adolescente que tentou o suicídio e está em tratamento para a depressão, elogia o promotor, com quem se reuniu para pedir que o Ministério Público atue junto às escolas para que de alguma forma tente evitar o bullying através de ações de conscientização, para que as escolas não se omitam.
No encontro ela também informou sobre a associação de mães de adolescentes vítimas de bullying na escola em formação, e também para relatar essa falta de espaço adequado para a internação de crianças e adolescentes com desequilíbrio mental e emocional.
“Foi uma grata surpresa saber que o Ministério Público também está preocupado com esse problema. Nossas filhas não podem continuar a mercê de pessoas que podem abusar delas física e emocionalmente num espaço em que foram para se tratar”, enfatiza LP.
O promotor Paulo Sérgio informa, contudo que, apesar do MP ter ganho a ação que determina a construção de um espaço específico para acolher crianças e adolescentes, o município recorreu alegando não ter condições financeiras para arcar com o custo estimado de R$ 74 mil por mês para manter o Caps I. “Agora é preciso aguardar a tramitação do processo”, esclarece.
Paulo Sérgio garante, contudo, que o Ministério Público continua atento e lutando pela defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura informou, através da Secretaria Municipal de Saúde, que está em um processo de parceria com a Multivix para construção do Centro de Atendimento Psicossocial para a Infância e Juventude e destaca que está em contato permanente com o Ministério Público a respeito dessa ação.
Entrevista com Paulo Sérgio Moreira Nóbrega, Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Cachoeiro
Dia a Dia – São comuns demandas de famílias pedindo intervenção do MP por causa de bullying na escola?
Infelizmente quando familiares procuram o Ministério Público para demandas individuais, normalmente é devido à gravidade e proporção alcançadas pelas atitudes agressivas praticadas de forma repetitiva com intuito de humilhar ou intimidar familiares, em boa parte das vezes filhos em idade escolar. A situação toma contornos mais sérios quando estamos diante do assim chamado Cyberbullying, ou seja, as agressões veiculadas pela rede mundial de computadores e aplicativos de celulares, haja vista a velocidade com que a agressão se multiplica, tendo, não raramente, origem anônima ou falsa.
Então o MP já está atento ao problema?
O combate ao bullying é uma das prioridades da nossa instituição, notadamente quando atingem o público infantojuvenil. A atuação do Ministério Público Estadual no referido tema não se restringe a casos individuais e à provocação de vítimas ou familiares. A instituição atua de forma coletiva no combate a tal prática, seja pelas Promotorias de Justiça da Infância e Juventude, sejas pelas Promotorias de Justiça com atribuições nas áreas de saúde e educação. A atuação preventiva em relação ao bullying sempre é o melhor caminho.
Demandas de familiares pedindo intervenção do Ministério Público devido a bullying sofrido pelos filhos ou familiares, tomando por base o Município de Cachoeiro de Itapemirim não são tão comuns, o que, todavia, não quer dizer que tal prática não venha ocorrendo no município. Normalmente, as famílias das vítimas procuram, num primeiro momento, as escolas frequentadas pelo familiar e o Conselho Tutelar, órgão encarregado da aplicação de medidas de proteção, nos termos do artigo 136 da Lei n.º 8.069/90. Em boa parte dos casos, a atuação conjunta da escola, família e, quando necessário, Conselho Tutelar acaba por trazer resultados positivos.
O senhor falou que ajuizou uma ação pedindo a implantação de um Centro de Atendimento Psicossocial específico para crianças e adolescentes em Cachoeiro. Por que essa ação foi necessária e qual o resultado?
O ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Estadual (autos de n.º processo n° 0014073-52.2017.8.08.0011), numa atuação conjunta das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude e com atribuição em saúde de Cachoeiro de Itapemirim, ocorreu devido à omissão do poder público na implantação do CAPS I no município, mesmo após exaustivas tentativas extrajudiciais de sua implementação. A necessidade de um centro de atendimento psicossocial infantil no município é reconhecida não só pela instituição, mas por profissionais técnicos (psicólogos, assistentes sociais, médicos, etc.) que militam na área e também pela sociedade em geral. Regularmente, o Ministério Público Estadual, pelo 2º Promotor de Justiça Cível (com atribuição em matéria de saúde), realiza encontros com a rede de atendimento visando à discussão da temática saúde mental, estando atualmente em pauta “o atendimento de saúde mental no Município de Cachoeiro de Itapemirim/ES e a importância da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, com enfoque na apresentação e reformulação de fluxo do atendimento em saúde mental para o público infantojuvenil”.
O senhor recebeu mães de adolescentes que sofreram bullying e tentaram o suicídio pedindo ajuda. Que orientação o senhor daria a outros pais e mães cujos filhos passam pelo mesmo problema?
Para os pais que passam por essa situação narrada, essencial é que busquem ajuda profissional. Na eventualidade de o Poder Público não lhes atender ou mesmo atender, porém de forma deficitária, que procurem o Ministério Público Estadual, Conselho Tutelar ou Defensoria Pública Estadual para a defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
O que recomenda fazer de forma preventiva?
Partindo-se de uma atuação preventiva, as orientações do Ministério Público aos familiares e responsáveis consistem em: a luta e prevenção contra o bullying devem começar dentro de casa, uma vez que a família é o suporte e referência básica para a socialização sadia de crianças e adolescentes. Em outras palavras, busque o diálogo com seus filhos; participe de sua vida escolar; eduque, mas também estabeleça limites; fique atento às mudanças de comportamento; ensine e pratique o respeito às diferenças entre as pessoas; seja um exemplo para o filho. Importantíssimo: diante de um caso de bullying, jamais culpe a criança ou adolescente, comunique à direção da escola (caso os casos estejam ocorrendo em tal ambiente), busque auxílio especializado e, caso a escola se omita, busque o Conselho Tutelar do município.
O Ministério Público atua junto às escolas?
Campanhas do Ministério Público pelo país, além da família, focam também como destinatários as unidades escolares e as próprias crianças e adolescentes. Em relação à escola, recomenda-se que tenham regras bem definidas contra o bullying (inclusive no Projeto Político Pedagógico da escola), de modo que todos saibam diferenciar brincadeiras de bullying; desenvolver programas específicos contra tal prática, estimulando a discussão do tema entre corpo docente, pais e alunos, com atividades que trabalhem o respeito e a tolerância às diferenças individuais e socioculturais.
Já com relação a crianças e adolescentes, devem ser orientadas a não fazerem ou apoiarem brincadeiras que possam causar sofrimento a outros, bem como a, em caso de estarem na posição de vítimas de bullying ou mesmo terem ciência de colegas nessa situação, que procurem ajuda de um adulto de sua confiança. Na remota possibilidade de não conseguirem ajuda, que se valham do Disque 100.
O que achou da iniciativa dessas mães de se organizarem em associação?
Trabalho como Promotor de Justiça da Infância e Juventude há alguns bons anos e, sinceramente, fico muito feliz em ver pessoas que se preocupam com o outro, com o sofrimento e as dificuldades vivenciadas por outras pessoas e pensam em fazer algo diferente, buscando auxiliá-las na superação de dificuldades.
O Ministério Público é apenas um dos legitimados a buscar a tutela de interesses metaindividuais. É sempre muito bom que a sociedade se organize e busque também a tutela de interesses sociais, seja no âmbito extrajudicial, seja mesmo no âmbito judicial. Felizmente, hoje são muitos os exemplos de associações de defesa de interesses coletivos e individuais indisponíveis. Há, inclusive, em nosso município, pessoas jurídicas constituídas regularmente e que tem reconhecido destaque de atuação na defesa de interesses de crianças e adolescentes.
Na verdade, mães de se organizarem em associação é um dos bons exemplos de se buscar dar concretude ao disposto no artigo 227 da Constituição Federal que estabelece que é dever não só do Estado, mas também da família e da sociedade “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.