No último domingo – 25 de abril – o filme Nomadland foi o grande vencedor do Oscar 2021. Premiado com as estatuetas de melhor filme, melhor atriz para Frances McDormand e melhor direção para Chloé Zhao – a segunda mulher, na história da premiação, a ganhar a categoria de direção. No dia cinco de março desse ano, escrevi sobre Nomadland, texto que hoje retorna para essa coluna.
Um filme que pulsa: sob os olhos das montanhas a perder de vista que ladeiam as estradas dos Estados Unidos, acompanhamos as viagens sem destino da protagonista Fern – e a primeira emoção que nos salta da tela direto para o nó que se forma em nossa garganta é: e ter um destino, verdadeiramente, importa?
Nomadland – 2020 – é um filme inspirado no livro de Jessica Bruder. Uma história sobre o crescente número de pessoas da terceira idade que viveram toda uma vida de trabalho nos Estados Unidos da América e, agora, em seus anos de descanso e preparo para a despedida, se veem em uma situação precária, desamparada, forçados a aceitar subempregos mal remunerados e que, não podendo contar com o baixo valor de suas pensões e aposentadorias, se lançam na estrada, vivendo em vans improvisadas, vagando de cidade em cidade à procura de postos temporários de trabalho e contando com um dos últimos espaços ainda gratuitos ou muito baratos daquele país: as vagas de estacionamento e os acampamentos de nômades às margens das estradas e da sociedade.
Cada cena abre uma janela: a natureza se apresenta e se impõe – não há pura beleza ou encantamento, há a esmagadora sensação de despedida e vontade de gravar cada pôr do sol e cada cacto e cada pedra e cada curva montanhosa da estrada no tecido dos olhos e nas sinapses cerebrais, repetindo em looping pela eternidade aquilo que pudemos apreciar durante a viajem.
É um filme sobre como decidimos nos despedir da vida. É um filme sobre buscar com os dedos as últimas horas e gotas de sabor que nos restam. É sobre assistir e absorver cada instante sabendo que não há muito mais estrada depois da próxima curva. Literalmente, olhar para frente, encarar a idade avançada e se despedir, com dignidade, do trabalho que foi em vão, dos mortos que carregamos no peito, de tudo de belo e de tudo de dolorido que compõe a nossa bagagem e que decora a nossa existência.
Nomadland nos muda de imediato. Nos apresenta um final de vida que não oferece conforto físico, material, emocional ou psicológico. Nosso esforço é até minutos antes do fim. Não há trégua. Não há respeito pelos que já fizeram sua parte. Não há repouso merecido em vida. O que há, entre um trabalho decadente e outro, entre uma dívida e outra, entre o medo do porvir e um passado para onde não há retorno: algumas mãos amigas, poucos momentos de afeição e amizade, conversas silenciosas e imensamente sentidas por todos, olhares que nos compreendem e a sensação de que seguimos em frente afirmando que voltaremos a nos encontrar novamente. Porque precisamos, acima de tudo, dos encontros que nos preenchem. E precisaremos deles até o fim.