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O Auto da Compadecida – parte 2

escritoras-cachoeirenses2-07-01-23
Escritoras Cachoeirenses

CHICÓ NA IMERSÃO ENOLITERÁRIA

Chicó: — Enquanto eu andava pelas ruas, vi muita coisa não, tinha gente vestida de tudo quanto era jeito, uns andavam depressa, outros pareciam uma tartaruga de tão devagar que andavam, ficava até difícil andar nas calçadas. Muitos olhavam vitrines, mas só olhavam, porque quando vinha gente atender saíam de fininho, coisa esquisita!

Chicó continuou seu relato

— Até que escutei um barulho, o susto foi tanto que quase me borrei todo. As pessoas começaram a se l juntar, de repente, passaram uns carros com luzinhas, fazendo barulho. Então, fui atrás pra ver o que tinha acontecido.

Chicó fez uma parada e prosseguiu contando, sob os olhos curiosos de João Grilo:

Chicó: — No meio de tanta gente, pude ver que tinha uma senhora caída machucada no chão , e o mais intrigante é que o chão que ela estava tinha um monte de listras brancas. Então, perguntei o porquê dela estar ali caída, me lembro que alguém respondeu que ela havia sido atropelada. E as pessoas estavam muito revoltadas com o acontecido. Eles ficavam repetindo: —Absurdo! A pobre senhora estava na faixa!! Cadê a fiscalização? E isso gerou uma confusão danada!

João Grilo: — Está bem, Chicó, se acalme e conte. Que já tô roxo de preocupação.

Chicó: —Depois disso, eu sumindo lá, João, vai que aparece mais gente doida, eu que não ia ficar lá correndo perigo no meio da rua! Arrumei foi um jeito de me esconder e entrei na primeira porta que encontrei. E foi aí que tive a melhor experiência da minha vida.

João Grilo: — E foi, Chicó? Conta aí, que experiência foi esta? Quero saber tudinho !

Chicó: — Então vou lhe contar: como eu disse, entrei na primeira porta que vi .Era assim, uma porta diferente.

João Grilo: — Porta diferente? Que porta é essa que tu viu, Chicó?

Chicó rodopiou e disse:

Chicó: — Era uma porta que dava pra ver tudo lá dentro.

João Grilo: — Uma porta que de fora dá pra ver o que tem dentro? Mas que marmota é essa, Chicó? Onde já se viu uma coisa dessa? Se de fora dá pra ver quem tá lá dentro, então qual é o sentido da porta?

Chicó: — Tô falando o que eu vi. Se não vai acreditar, não conto mais nada!

João Grilo: — Se você jurar, eu acredito! Jure por Nossa Senhora.

E Chicó jurou. Logo em seguida, satisfeito com a jura de Chicó, Jõao Grilo, curioso, deixou escapar:

João Grilo: — Como ficou a estória da porta, Chicó? Vá! Conte!

Chicó: — Conto não!

João Grilo : — Conte logo, Chicó! Que daqui a pouco vou cair mortinho de tanta curiosidade.

Chicó: — Então tá feito, vou te contar, mas se duvidar de novo, conto mais não.

E assim, Chicó retomou a estória da porta, dizendo:

Chicó: — É isso mesmo, João! Mas fique você sabendo que apesar de ver através da porta, não dava para entrar não, a menos que abrisse a porta. Entendeu, cabeça dura! E digo mais, por cima da porta dava pra ver até as letras CIA DAS MASSAS. Achei bem bonitinho!

Chicó prosseguiu, animado.

Chicó: — Entrei! Tinha umas mesas que estavam vazias e aí fui andando lá dentro até que ouvi vozes. E acredite no que vou lhe contar, lhe juro pelo padrinho padre Cícero que é verdade!

João Grilo: — Então conte, Chicó! Que estou doidinho pra saber o que você viu!

Chicó: — Ah! Eu vi um monte de gente sentada. Tinha homem, tinha mulher e tinham duas damas em pé. Uma estava vestida como as donzelas daqui do sertão e contava a nossa estória, veja só que coincidência!

João Grilo: — Como assim, Chicó? A nossa estória?

Chicó: — É sim, João, a história do cachorro da mulher do padeiro que o padre enterrou em latim, num sabe!

João Grilo: — Ora, Chicó, me conte essa estória direito! Que agora fiquei intrigado!

Chicó: — Pois vou lhe contar tudinho! Preste atenção! Como havia dito, vi aquele monte de gente sentada e a dama vestida de branco enfeitada de fitas, toda formosa, contava pra aquela gente como aconteceu a história do enterro em latim do cachorro de dona Dorinha, a mulher do padeiro. E enquanto eu estava ali, apareceu uma outra dama que veio em minha direção.

João Grilo: — Então você quer me dizer que foi descoberto e posto pra fora, é isso?

Chicó: — Não, João! Pelo contrário, a dama apesar de estar vestindo calça foi muito bondosa comigo.

João Grilo: — Bondosa como, Chicó?

Chicó, nervoso com tanta tagarelice de João Grilo, deu-lhe um tapa na cabeça e ralhou:

Chicó: —Você deixa de pensar besteira, João! Ela abriu a porta, me cumprimentou expressando alegria com minha presença. Achei isso educado da parte dela. E de repente, eu que me senti importante. E quando ela apontou pra uma cadeira vazia e disse que eu poderia me sentar ali, foi de tirar o chapéu! Mas não deu, por que ele não estava comigo, não. Na pressa, esqueci o danado em casa.

Joâo Grilo: — Ai, meu Jesus Cristo! E você sentou Chicó?

Chicó: — Mas é claro, João! Eu lá sou algum bobo. Se uma pessoa te convida e manda tu sentar, tu senta!

Ainda mais num lugar tão bonito como aquele. A mesa tinha tanta taça que era a coisa mais linda de se ver.

João Grilo: — Tinha taça, é? Ora, e como tu sabe que era taça, Chicó?

Chicó: — Ora, eu sei porque sei. Porque copo é diferente. Aqueles lá tinham os bojos no alto, um cambito comprido que se apoiava num pé só. Só podia ser taça! Bonito demais!

João Grilo: — E aí, enquanto tu estava lá sentado nessa mesa bonita, o que mais tinha? Vai me dizer que tinha um monte de comida da boa e que tu encheu o bucho? É isso, Chicó?

Chicó: — Você larga de ser besta, João, que as coisas não são assim não. Mania que só pensa em comida. Coisa feia!Desse jeito, nem pode ir num lugar desses que faz vergonha.

Nesse momento João Grilo ficou cabisbaixo e meio tristonho com as palavras de Chicó, quando este falou:

Chicó: — Você tem que estudar mais João, pra saber como as coisas funcionam no mundo fora do seu.

Rapidamente João Grilo entristecido cuspiu essas tristes palavras:

João Grilo: — Ah, Chicó! Agora você vem com essa estória de novo? Esse negócio de estudar serve pra quê? O Brasil tem jeito não! Os acidentes matam mais do que doença ruim, o preço das coisas tá tudo pela hora da morte. É sempre a mesma história: os ricos mais ricos e os pobres, coitadinhos, mais pobres.

Sem contar os governantes que só aparecem na época de pedir voto, porque fora isso, ninguém nem vê a cara dessa gente. E quando fazem alguma lei, Vixe Maria! O trabalhador é que sofre. Tem jeito não, Chicó!

E aí, tentando manter a prosa, se virou pra Chicó e falou com os olhos brilhando de curiosidade:

— Chicó, você não terminou de contar como foi lá na tal mesa bonita. Continue! Vá! Conte logo, homem!

E, assim, a resposta veio.

Continua no próximo domingo

Vilma Gonçalves Ferreira. Professora formada em Letras, Pedagogia e Artes Visuais. Especialista em Planejamento Educacional, Arte-Educação Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Artes; Psicopedagogia e Educação Especial

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