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O Auto da Compadecida – parte 3

escritoras-cachoeirenses2-07-01-23
Escritoras Cachoeirenses

CHICÓ NA IMERSÃO ENOLITERÁRIA

Chicó: — Está bem, João, vou lhe contar, porque foi bonito demais!

— Como eu disse, eu estava lá sentado com aquelas pessoas de idades diferentes, uns estavam em casal, outros estavam sozinhos, assim como eu. A mesa estava muito bem arrumada com taças de tamanhos diferentes, tinha também uns petiscos muito interessantes, que lembravam as delícias do nosso nordeste. E como eu já disse antes, a dama de branco contava a nossa estória, que envolvia o enterro em latim da pobre cachorrinha da mulher do padeiro, a pobre Dorinha que de pobre não tinha nada! De tempo em tempo, ela parava de falar e pedia pra alguém da mesa ler, adivinha o que eles liam?

João Grilo: — Pare de ficar criando suspense e fala logo, Chicó!

Chicó: — Está bem! Mas é que eu não sei se te conto, porque acho que você não vai acreditar.

João Grilo: — Por que eu não acreditaria, Chicó?

Chicó: — Eu te falei que a dama vestida de branco enfeitada de fitas coloridas se chamava

Olívia? João Grilo: — Não, isso você não contou.

Chicó: — Pois é, são tantas novidades que tenho pra contar e você fica interrompendo toda hora que acabei esquecendo de falar.

Chicó levanta a sombrancelha direita e diz:

— Pelo que entendi, João, essa tal Olívia era uma contadora de estórias e tinha uma outra moça branquinha que vestia calça, mas não era homem. Foi essa quem abriu a porta e me mandou sentar à mesa. Ficou claro prá você ou vou ter que começar a explicar tudo de novo?

João Grilo: — Ora, Chicó! Você larga de ser metido, posso ser atrapalhado, mas não sou surdo nem lesado. Ouvi tudinho que você contou até agora. Então vê se deixa de enrolação e conte logo o fim dessa estória.

Chicó: — Está bem João! Já que você lembra de tudinho que falei até aqui, então vou lhe contar o restante. Preste bem atenção, porque a estória continua assim: a mulher que vestia calça e não era homem chamava-se Raquel. E ela também falava com as pessoas da mesa. Mas com ela o negócio era diferente.

João Grilo: — Como assim, diferente?Explica isso, Chicó!

Chicó: — Lá vem você outra vez com suas perguntas, me deixe contar João! João Grilo: — Pois fale, Chicó e conte logo tudo de uma vez.

E assim Chicó continuou:

— É que Raquel contava estória de vinhos e o melhor você não sabe!


João Grilo: — Ai ai, você faz tanto suspense que não me aguento de aflição e acabo perguntando. Então fale logo Chicó! O que essa tal Raquel fazia contando estória de vinhos?

Chicó: — Olhe João, essa Raquel era danada de inteligente, cheguei até me perguntar se era por isso que estava de calça. Mas depois de muito pensar , lembrei que em algum lugar ouvi dizer que mulher e homem tem os mesmos direitos. Também lembrei que o padre usa saia e é homem.

Então, pensei que não tinha problema nenhum Raquel usar calça sendo mulher. Mas que é esquisito é!

João Grilo: — Olhe, Chicó, acho melhor você parar de fazer rodeio e contar logo. E deixe de falar da vida dos outros, porque isso pode te trazer problemas. E eu não quero perder meu único amigo e nem te visitar no xilindró. É melhor continuar a estória porque eu tô vendo que ela é comprida e daqui a pouco tenho que ir embora. Então, conte logo, o que essa Raquel fazia com os vinhos?

Chicó: — Você está certo, João!

Chicó rodopiou e, virando-se para o amigo, respondeu:

Chicó: — Descobri que a Raquel era sommelière.

João Grilo arregalou os olhos, tirou o chapéu da cabeça e, descontrolado, perguntou:

João Grilo: — Que diacho é isso, Chicó?

Com um sorriso maroto Chicó respondeu:

Chicó: — Pelo que entendi, é gente que estuda sobre vinhos, pois adquirem conhecimento sobre diferentes tipos de uvas, regiões vinículas e técnicas de produção. Ah! E também são responsáveis por montar uma tal de carta de vinhos em restaurantes e definição de compra de rótulos em adegas e enotecas. E ainda são responsáveis pela harmonização perfeita entre vinhos e comidas.

João Grilo: — Nossa! Essa tal de Raquel deve ser muito inteligente mesmo pra guardar isso tudo na cabeça. Deve de ser muito chique, porque eu nunca ouvi falar nesse tal sommelière.

E João Grilo bateu as mãos na cabeça espantado e disparou a falar:

João Grilo: — Você está me dizendo que para comer tomando vinho tem que estudar? É isso Chicó?
Chicó: — E é! Foi o que eu descobri.

Inconformado João Grilo quis saber mais:

— Você sabia disso, Chicó, ou aprendeu enquanto estava lá na mesa ouvindo?

Chicó: — Olha, João, isso não vem o caso agora. O importante é que aprendi que no mundo dos ricos a coisa é bem diferente. Lá eles estudam pra tudo! Tudinho mesmo!

João Grilo: — Mas e a tal Olívia o que ela tem a ver com essa estória toda, Chicó?

Chicó: — Ora, eu já disse: ela contava estórias! E pelo que vi, adorava contar os casos dos outros. E sabe o que é mais engraçado?

João Grilo: — O quê, Chicó?

Chicó: — É que ela chamava os casos de conto e os contos de obras literárias. Agora veja só, eu sempre soube que falar da vida alheia é fofoca, mas aprendi com a Olívia que a fofoca pode virar conto e que conto é obra literária. Esse mundo está muito doido, não é mesmo, João? Mas vamos deixar de prosa e voltar pras coisas que aprendi.

João Grilo: — Então continue, Chicó. E me conte tudinho que você aprendeu e explique o que essa tal de Olívia e tal de Raquel estavam fazendo numa sala com um monte de gente à mesa?

Chicó: — Ah! Mas isso é fácil! Aquele monte de gente, na verdade, verdade mesmo, deviam ter umas 16 pessoas contando com Olívia, Raquel e comigo também, é claro! Quero lhe dizer que foi uma noite mágica, porque aprendi com elas que é possível unir a tal literatura com vinhos e comida. Imagine só, que coisa maravilhosa!

João Grilo: — Mas, conta Chicó, o que mais você viu lá?

Chicó: — Eu vi um lugar bonito, onde a parede era de tijolinho. Tinha uns quadros coloridos e, em frente à mesa onde a gente estava sentado, tinha umas prateleiras na parede cheia de garrafas de vinhos. Vou te dizer que eram muitas garrafas, dava quase que pra abastecer a Paraíba todinha. Um negócio bonito demais, mas era só pra olhar mesmo, porque se fossem beber aquele vinho todo de uma vez, a coisa ia ficar feia. Ainda bem que só serviram quatro garrafas de vinho. Assim, deu para todos manterem o equilíbrio não só das pernas, mas principalmente do juízo.

João Grilo: — Pelo que estou ouvindo você contar, você acabou participando de um evento fino.

Que sorte a sua, Chicó!Me conta mais dessa estória, que mistura livros e vinhos. Porque achei isso bem interessante!

E mais do que depressa Chicó disparou a falar.

Continua no próximo domingo

Vilma Gonçalves Ferreira. Professora formada em Letras, Pedagogia e Artes Visuais. Especialista em Planejamento Educacional, Arte-Educação Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Artes; Psicopedagogia e Educação Especial

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