CHICÓ NA IMERSÃO ENOLITERÁRIA
E mais do que depressa, Chicó disparou a falar:
Chicó: — Numa coisa você tem razão, João, a reunião era coisa fina. Finíssima! Tive essa certeza quando descobri que a Olívia era professora de literatura.
João Grilo: — Ah, então agora tá explicado de onde vem essa tal literatura. É da contadora de estórias.
Chicó ficou nervoso e ralhou com João Grilo:
Chicó: — Assim fica difícil de contar! Toda hora você falando, não dá.
Mas logo em seguida continuou:
— Ah! João, a cada estória que Olívia contava, ela pedia pras pessoas lerem num livrinho que deixou para cada um em seus lugares à mesa. E aí, outra novidade: a música do sertão!
João Grilo: — Que estória é essa de música, Chicó?
Chicó: — Essa é a outra parte da estória. Pelo que entendi, a Olívia escolhe o conto e a música que combina com ele, depois entrega para Raquel criar a harmonização com os vinhos e os petiscos. Porque, acredite se quiser, mas a Raquel é dama prendada! Além de entender de vinhos, ainda é uma chefe de cozinha excelente. Você precisava ter visto a cara dos petiscos. E a arrumação da mesa, então! Coisa finíssima!
João Grilo: — Eita, que estou gostando muito dessa estória. Conta mais, Chicó!
Chicó: — Bom, é como eu disse: o que eu vi e vivi nesse tempo que estive nesse lugar foi algo que nunca vou esquecer, porque foi uma emoção muito grande ver que ainda tem gente que se interessa pela estória da gente. Lá eu descobri que, nessa vida, toda estória tem um vinho, uma comida e uma música que se enlaçam formando um corpo só. É algo extraordinário!
João Grilo: — Ôxe, como é isso, Chicó? Isso sim é notícia boa! Mas me diga aí, o que você mais gostou no tempo que esteve lá?
Chicó: — Olhe, João, não vou te enganar não, mas eu gostei foi de tudo.
João Grilo: — Mas, Chicó, deixa de ser egoísta, conte tudinho que você fez. Os amigos não escondem as coisas e eu estou sentindo que você não está me contando tudo. Você é meu amigo ou não é?
Chicó: — Mas é claro que sou seu amigo, João! Você sabe que, nessa vida, se posso dizer que tenho um amigo, és tu.
João Grilo: — Então deixe de mistério e me fale logo: o que você bebeu? Comeu o quê? Não estou entendendo o porquê desse mistério. Pare de contar pelas metades. Me conte tudinho! Quero saber!
Chicó: — Está bem, João Grilo, pra provar que sou teu amigo vou lhe contar: como eu disse, Olívia comentou sobre nossa estória aqui no nordeste. Falava de forma fragmentada, dando espaço para que outros contassem algumas passagens importantes do que eu e tu, João, passamos com a estória da cachorrinha de dona Dorinha. Você está lembrado?
João Grilo: — E foi! Como não me lembraria. Isso deu um problema danado. A gente quase que se estrepa de vez. Foi por pouco! Mas, Chicó, o que tem a ver a cachorrinha de dona Dorinha com os vinhos que tu bebeu e as comidas que tu comeu enquanto estavas com Olívia e Raquel?
Chicó: — Ora, tem tudo a ver! Lembra que te falei que a Olívia é contadora de estória?
João Grilo: — Lembro! E daí?
Chicó: — E daí que, nessa noite, ela estava contando a nossa estória. Aquela que aconteceu aqui, na nossa amada Paraíba.
João Grilo: — Hã! Agora entendi! Só não entendi como ela sabia da estória da morte da cachorrinha de dona Dorinha.
Chicó: — Ora, João, você não sabe que o povo espalha tudo quanto é notícia. Na certa, alguém contou. Não sei quem foi, mas pra ela saber, teve alguém para contar. Deve ter sido o fofoqueiro do Ariano.
João Grilo: — Que Ariano?
Chicó: — Ora, como assim, que Ariano? Aquele de sobrenome esquisito. Um tal de Suassuna. Só pode ter sido ele. Senão, quem mais poderia ser?
João Grilo: — Agora estou lembrado! Esse tal de Ariano Suassuna gostava mesmo de contar estória. Ele falava da vida de todo mundo. Até que morreu! E de gente morta a gente não pode falar mal. Porque gente morta não faz mal a ninguém. Coitadinho! Que descanse em paz! E você, Chicó, termina de contar o que você viveu lá nas bandas de lá.
Chicó: — Está certo, João! Mas se você interromper de novo, não vou conseguir contar!
João Grilo: — Conta logo, Chicó!
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👉 Entrar no GrupoChicó: — Eu conto! Mas o que você quer saber primeiro? Quer que eu fale dos vinhos ou das comidas? Ou das músicas?
João Grilo: — Você larga de ser besta e para de fazer hora. Eu já disse que quero saber de tudo. Então você desembucha e vai falando!
Chicó: — Está bem, João! Não sei se te contei, mas a noite foi dividida em dois atos e cinco momentos. Começou com Olívia colocando a música “O pulo da Gaita”. Aí ela lembrou um pouco da astúcia do nosso querido conterrâneo Ariano ao apresentar com riqueza de detalhes o caráter das pessoas, suas crenças, valores e comportamentos. E olhe que a coisa não parou por aí não.
João Grilo: — E foi? O que mais aconteceu?
Chicó: — Olívia espalhou para todos ali a estória que a gente viveu com a cachorrinha da dona Dorinha. Em seguida, a Raquel apresentou um espumante, um tal “Miolo Terranova Brut”.
Agora veja você, João, nunca nessa vida que eu ia saber que “Miolo” é nome de vinho, ainda mais junto com “Terranova”, e esse Brut então! É cada coisa no mundo dos ricos que deixa a gente até zonzo, não é mesmo! Mas deixa eu contar mais.
João Grilo: — Pois conte, Chicó!
Chicó: — Aí, Raquel, com sua inteligência e graciosidade, contou a estória desse espumante e depois disse que ele combinava com o momento de estória onde eu te contava que corria no meu cavalo da ribeira do Taperoá, na Paraíba. E aí, teve umas pingas e um queijo lá, tinha até queijo de cabra caramelizado. Todo bonitinho!
Eita que foi bom demais! Enquanto a gente comia e bebia com bastante “finuura”, Olívia colocou a música “Pedras que Cantam” de Raimundo Fagner, o ilustríssimo cantor do querido Ceará. E a coisa continuou com você, João, e o sacristão, nas vozes dos convidados. Foi bonito que só! Ver aquela gente recontando tudinho que a gente viveu.
Eita! Parecia até que eu estava vivendo aquela aflição toda de novo. Cheguei a ficar todo arrepiado. E outro vinho veio. Esse era amarelo, El Zorrito natural foi o que a Raquel apresentou. Achei muito interessante! Nem sabia que tinha vinho amarelo, mas, apesar de ter o nome esquisito, pensa num vinho bom!
Você tinha que estar lá, aquilo que é vida boa! Está vendo, João, quanta coisa você perdeu?
João Grilo: — É, estou vendo sim, Chicó! Do jeito que você fala, chego a imaginar essa delícia de vinho que tu bebeu. Olha que a boca já tá salivando de vontade de beber esse vinho.
Chicó: — Coitadinho de você, João. Acho melhor eu parar de contar, porque senão arrisca você até passar mal de tanta vontade.
E João Grilo, curioso e sedento de saber as aventuras de Chicó, foi logo soltando:
João Grilo: — Deixa de bobagem, você nunca ouviu dizer que vontade é a coisa mais normal do mundo. Os pobres como a gente já estão até acostumados a ver a vontade passar, ou tu já esqueceu da sede que passei por conta do padeiro que não me deu nem um copo com água enquanto eu estava doente.
E foi por isso que eu quis me vingar. E quase que vou pra terra dos pés juntos. Vixe, Maria! Se tem uma coisa que aprendi nessa vida é que de vontade ninguém morre. Então, conta mais! O que aconteceu com esse vinho, homem?
Chicó: — Ah, João, esse vinho amarelo foi experimentado primeiro com uma farofa de carne de sol com tomilho e castanha-do-pará. Mas, para comparar, deu pra experimentar com os queijos também. Afinal, eram especiarias selecionadas para a ocasião.
Ao ouvir o relato de Chicó, João Grilo revirou os olhos. Chicó ficou até um pouco preocupado, mas como a estória tinha que continuar, seguiu falando:
Chicó: — E aí, veio aquela música que fez lembrar do nosso amado nordeste…
De um salto, João Grilo interrogou:
João Grilo: — E qual seria?
Chicó: — “Último Pau-de-Arara/Meu Cariri”, do grande Zé Ramalho, primo legítimo da nossa querida Elba Ramalho, paraibana arretada, talentosa que só!
João Grilo: — E essa estória não acaba não, Chicó?
Chicó: — Calma, João! Não foi você que disse que queria saber tudinho que se passou comigo lá na terra do rei?
João Grilo: — Lá vem você, Chicó! Nem terminou de contar a estória e já inventou um rei. Mas que estória de rei é essa? O que tem a ver com sua estória, Chicó?
Chicó: — Ôxe, tem tudo a ver, João!
Então, Chicó passa o braço por cima do ombro do amigo e começa a explicar sobre a terra do Rei.
Continua no próximo domingo