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O trem, o galo e o sabão

escritoras-cachoeirenses2-07-01-23
Escritoras Cachoeirenses

Foi lendo o livro de Cora Coralina, Estórias da Casa Velha da Ponte, que me dei conta do tempo em que vivo, na minha casa, na minha rua, e com as pessoas que amo. Desde a tenra infância, meus pais e eu passamos a morar numa ruazinha miúda, sem saída. Ou melhor, a saída era para a “linha do trem”, como chamávamos. Sim, minha cidade ainda tinha a linha férrea ativa, que a cortava ao meio. Hoje, não mais.

Morávamos na casa dos meus avós paternos, uma casa grande com um corredor de madeira, onde eu deslizava nos tapetes fofinhos e coloridos que minha avó costurava. Saía correndo da copa, pulava no tapete e surfava nas ondas imaginárias da infância. Claro que, não raramente, me espatifava no chão, ganhando alguns roxos típicos da peraltice infantil. As janelas de madeira grandes tremiam toda vez que o trem passava. Eu corria para a janela e acenava para a locomotiva, na esperança de ver meu avô, que era ferroviário, mas nunca o vi… Passava nas pontas dos pés na “área proibida”, a cristaleira cheia de bibelôs, taças e garrafas coloridas que não eram para crianças. Era o desafio entre os primos escolher o corajoso para mexer lá, escondido é claro.

A rua miúda, como disse, tinha muitas crianças e pouco ou nenhum movimento de carros, então nosso divertimento era brincar até tarde, o maior número de brincadeiras possíveis, até a mãe chamar inúmeras vezes ou vir buscar com a famosa “varinha de goiaba”. Para sorte dela, e azar o meu, tínhamos um pé de goiaba na varanda — muita matéria-prima para a correção de teimosia de criança…

Assim eram os tempos de criança, pautados na inocência e travessuras. Quintal aberto, galinhas, pintinhos, animais de estimação… Ah, esses tive muitos. Hoje, faço memória do Frederico, um galo que chegou pintinho e quase morreu afogado no sabão em pó. Explico: eu gostava de dar banho de espuma nas minhas bonecas, então pensei: “Se elas gostam, o Frederico vai gostar! ” Conclusão: ainda bem que vovó salvou o bichinho a tempo, secou-o e o deixou atrás da geladeira de quarentena. Sobrevivente, virou um galo briguento que resistiu bravamente a virar um ensopado e, para mim, tive certeza “científica” de que banhos de espuma são fortalecedores. Os adultos de hoje devem concordar comigo! E os cachorros então?! Tinham os nomes mais legais: Vinagre, Chupeta, Megera… amigos leais nas brincadeiras e ferozes para defender nossa casa.

Como toda criança cheia de energia, muitas vezes eu passava dos limites, fazia travessuras e, claro, vira e mexe, estava lá na dispensa da vovó, de castigo. Era um quartinho pequeno onde se guardavam as compras, os baldes com água sanitária, as vassouras e os doces que vovó deixava lá só quando eu estava de castigo. Vó é vó, né… (risos). Chorava dramaticamente na porta, mostrando todo meu arrependimento e tentando amolecer o coração da minha mãe para me deixar sair, mas ela era irredutível. Ela estava certa, eu aprontava mesmo. Passado o chororô, acabava fazendo festa com as vassouras e rodos, batia altos papos com as latas de óleo (uma vez fiz o “casamento” da lata de óleo com o vidro de xampu, talvez tenha nascido um óleo reparador de pontas, vai saber…) e, quando o castigo acabava, me despedia dos meus amigos de cárcere, sabendo que não tardaria muito a voltar.

Eram tempos longínquos, sem tecnologia, sem telas, sem muita informação. Mas eram tempos efervescentes para uma criança curiosa, que via o mundo com olhinhos inocentes. Hoje, ao escrever essas memórias, tento reencontrar esses olhinhos curiosos e inquietos diante da vastidão do mundo em movimento. Tento não deixar que esse maremoto de informação me cegue, me afogue na urgência de viver tudo ao mesmo tempo. Com certeza, a infância hoje é outra; são outros tempos.

Às vezes, me pergunto se, no meio dessa correria de compromissos e tecnologia, ainda conseguimos parar para acenar para o trem da vida que passa. Talvez nunca vejamos quem estamos esperando, mas, como naquela época, o simples ato de olhar com curiosidade e encantamento já vale a pena. Afinal, essas pequenas lembranças são como trilhos que conectam o presente ao passado, guiando-nos de volta àquilo que realmente importa: as histórias que carregamos.

Raquel Poleto Fonseca, nascida em Cachoeiro, contadora, escritora, integrante do projeto Escritoras Cachoeirenses

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