O conto dos sapatinhos vermelhos relata a história de uma órfã, que vivia de seu próprio sustento, de sua criatividade, de quem confeccionou, até mesmo, os seus próprios calçados que tanto estimava.
Um dia, uma carruagem se aproximou, e uma senhora lhe ofereceu abrigo, e a ingênua garotinha adentrou na esperança de chegar ao “destino incerto” mais confortável e rapidamente.
Contudo, mal sabia a pobrezinha que o preço da vida mansa era sua própria essência, já que a domesticação aplicada – deu-se dos pés (a incineração dos sapatos) à cabeça (ao modo de se portar e pensar).
A alma que se nutria do que a menina colhia em seu caminhar, já não crescia, mas se enjaulava e isolava das luzes que por ventura a contemplava. Isso gerou uma alma faminta e desesperada, que queria a qualquer custo voltar a caminhar com suas próprias pernas, de viver o movimento livre de ser quem fora quando seus instintos estavam intactos e aguçados por instantes, dias ou, para todo o sempre.
O ser faminto foi incapaz de distinguir as armadilhas que a cercavam e no ato de comprar um novo par de sapatos vermelhos bem resplandecentes, ignorou a prudência e adotou a ideia do que acreditara o que um dia fora sua grande alegria: portar os sapatos vermelhos. Mas que de seu nada tinha, apenas a lembrança da cor, que disso nem mesmo condizia, já que os antigos eram mais modestos, a cor vermelha reluzente ofuscava a lembrança do que sua liberdade e dança representavam.
Após a rebeldia de sua alma faminta, seus instintos foram atordoados, ou melhor, ludibriados pela ideia de se voltar a viver livremente como um dia fora – antes de sua domesticação. Todavia, a dança já não era sua, os sapatos, as roupas, os costumes não eram seus, apenas se entranharam em seu corpo ao ponto de controlar a liberdade fajuta que lhe levou a uma dança incessante e descompassada de seu ritmo e estilo.
No Yoga, aprende-se, ou melhor, reconhece-se o poder e a importância da auto-observação, da preservação de quem somos, de reconhecermos as sutilezas que sinalizam em nosso corpo, alma, sentimentos – os desconfortos, os equívocos e as armadilhas que adentram as nossas vidas.
A auto-observação nos ajuda a nos entendermos e respeitarmos o nosso tempo, de identificarmos as artimanhas que nos cercam, e nos protegem da automutilação no campo físico, energético, espiritual, e até mesmo, sentimental.
Quando nos familiarizamos com os cercados, ao ponto de serem perceptíveis, podem atuar como a chave, ou como a luz que liberta e sinaliza a possibilidade de se reconectar e de se reconstruir da mesma forma em que quando sozinha juntava os retalhos. Não digo que o sofrimento é necessário para nos tornarmos fortes, muito pelo contrário, no entanto quando inevitável pode ser usado como um degrau, em vez de um obstáculo para a nova fase ou ciclo da vida.
Pense nos retalhos como aquilo que está a nossa disposição, e que ao confeccionarmos os nossos próprios calçados, que representam: a proteção, o aconchego, e as escolhas da vazão criativa – tornam-se únicos e sob medida, pois só nós mesmos sabemos o estilo, o tamanho, a textura, a cor e o ritmo que devem e podem comandar o nosso caminhar.
Essa sabedoria é acessível quando nos mantemos fiéis a nossa essência, caso contrário, a volta às raízes, apesar de ser mais que merecida e bem-vinda, demanda muita atenção e dedicação para que a pulsação da alma faminta não incorpore qualquer resquício de lembrança distorcida, ou de até mesmo, uma nova redoma.