Cultura

Sobre as vozes na minha cabeça

Somos feitos de histórias. Muito antes de existir a escrita, as narrativas orais já nos contavam e nos explicavam – sobre nós mesmos e sobre o mundo. Um mundo criado à nossa própria imagem e semelhança, um universo de mistérios onde a imaginação humana nomeava e dava os contornos de tudo que existia, desde o brilho das estrelas, até às sardas nas bochechas das crianças: para tudo, uma história.

Antes de sermos leitores, somos ouvintes. Assim evoluímos. Sentados ao redor da fogueira, os mais velhos e mais sábios contavam os relatos do mundo. Todos deviam prestar atenção e aprender. Dessas vozes, ressoavam ensinamentos valiosos para a manutenção e continuação da vida. Todo escritor evoca essa voz primordial, quando tira da ponta dos dedos e de sua memória inventiva a chamada “voz literária”. Como você vai narrar essa história? Quem vai falar através da sua escrita?

Buscar uma voz narrativa pode ser um processo muito intelectualizado. Podemos pesquisar críticos e autores que nos inspiram. Também, mimetizar nossos escritores preferidos. No fim das contas, uma voz é uma voz – lembrança sonora das narrativas que internalizamos e que conversam conosco e entre si, se apenas fizermos silêncio e deixarmos que falem o que precisa ser dito.

Gosto de inventar e contar histórias. Gosto de dar aos personagens que crio a oportunidade de se tornarem tão reais quanto possam ser. Porém, acima de tudo, gosto de deixar que falem, que sussurrem em meus ouvidos em timbres e tons que empresto da minha vivência para suas gargantas de papel.

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Não, personagens não são somente feitos de mim mesma. Primordialmente, sim, mas não completamente. Eles também se constroem da minha percepção sobre outras pessoas. Do que consigo reter daqueles que me cercam e, quase sempre, daqueles que amo. Quando os escrevo, quando penso no que eles sentem, há sempre uma voz querida e amada que me acompanha e embala. Vozes que não ouço mais e vozes com quem ainda converso, mas cujo timbre foi modificado pelos anos. Vozes que me lembram do que fui, do que sou, do que ainda quero ser.

A voz narrativa é ancestral porque remonta ao humano vocal que ainda se aninha no âmago de cada leitor. A voz narrativa é sonora, porque canta ao contato dos olhos. Porque ressoa em nós a melodia das páginas e porque permite a todo autor tomar emprestados, sempre que quiser e precisar, os contraltos, graves e agudos que a saudade e o silêncio transformam na matéria prima de toda literatura.

Dedico esse artigo a todas as vozes que amo. Literárias e reais.

 

Olivia Batista de Avelar. Escritora membro da Academia Cachoeirense de Letras
Olivia Batista de Avelar

Escritora, professora, articulista de literatura e cinema. Organizadora do Clube de Leitoras de Cachoeiro de Itapemirim

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Olivia Batista de Avelar

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