ARTIGO: Marcio do Nascimento Santana, Historiador com formação em Arqueologia , montanhista e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Cachoeiro de Itapemirim e vice-presidente do CE Itabira.
Não importa o tamanho da montanha e sim o quanto você aprende com ela.
Nicacio de Paula, o mais antigo montanhista em atividade do Espírito Santo
Ah esses franceses maravilhosos e suas grandes contribuições para o montanhismo mundial. A França, berço de lendas assombradas como a Besta de Gévaudan, também foi berço da invenção do rapel e mais ainda berço desse extraordinário alpinista que vocês conferem a seguir:
Pierre Allain nasceu em Paris, na França, no ano de 1904. Logo cedo, esse parisiense demonstrava vocação para o alpinismo e desde criança já praticava caminhadas e escalava pequenos blocos. Porém foi apenas na década de 1920 que estreou nas montanhas oficialmente, nos modestos picos de Allevard, em Isère.
E para melhor compreensão desse contexto, a década de 1930 foi a década de escalada mais séria, mais ousada e mais divulgada e provavelmente nunca foi igualada, devido as cicatrizes da 1ª Guerra Mundial, e porque os europeus estarem praticamente à sombra da 2ª Guerra Mundial. Esse cenário, tão inconstante, fez evoluir as técnicas de montanhismo e escalada, principalmente para fins militares.
Vocês, leitores, devem estar se perguntando quem é esse senhor. Pois ao pesquisarmos sobre montanhistas famosos, o nome de Pierre quase nunca aparece, embora sua contribuição para o montanhismo moderno tenha sido enorme.
Pierre Allain, um dos maiores montanhistas de nosso tempo, era franzino, porém dotado de uma força extraordinária, e de um elevado conhecimento técnico sobre escaladas. Entendia a dinâmica dos equipamentos e também das montanhas que desafiava.
E sim, meus amigos, ele sempre foi um líder nato e um montanhista discreto. Característica essa que faz parte da antiga geração desse magnifico esporte, ao contrário de hoje em dia, onde tudo vira show pirotécnico e batalhas de ego e dinheiro.
Pierre Allain, o inventor
Pierre Allain se tornou o pai do montanhismo moderno não só por sua destreza, mas também por sua mente privilegiada e imaginação ímpar na arte de criar e inventar. Entre suas maiores invenções e contribuições para o montanhismo moderno destaco:
A sapatilha de escalada: o seu sapato de escalada que ele idealizou, batizado como PA, foi o primeiro protótipo de sapato de escalada conhecido. Foi fabricado em 1935, acrescentando sola de borracha às alpargatas, embora sua comercialização só tenha chegado em 1948;
Mosquetões: foi ele quem usou pela primeira vez ligas metálicas mais leves para confecção de mosquetões de escalada, diminuindo seu peso, e igualmente aumentando a sua durabilidade, substituindo os pesados mosquetões de aço que também enferrujavam. Ele foi o pioneiro no uso da liga de duraluminio;
O descensor: outra grande contribuição desse Leonardo da Vinci das alturas, a invenção do primeiro descensor que viria a ser o precursor do freio em oito;
Saco de dormir: Pierre Allain também desenvolveu em 1935 o conceito de roupas de penas, como os edredons, e assim ele se tornou o inventor do saco de dormir, que posteriormente foram desenvolvidos por inúmeros fabricantes e se tornaram o padrão para as noites frias na alta montanha e campings em geral;
Anoraque: sim, Pierre Allain também inventou o anoraque, o tradicional casaco de montanha, batizado por ele como cagoule;
Descendente de gancho com mola: foi um equipamento desenvolvido para recuperar a corda após o rapel e assim facilitar o uso de uma única corda no rapel em vez de corda dupla. Seu uso era muito técnico e complicado, por esse motivo talvez nunca tenha sido encontrado entre os montanhistas.
Escritor e escalador de blocos (bouldering)
Pierre Allain era montanhista convicto até em 1928 ele conhecer Maurice Paillon, que o introduziu na prática das escaladas em bloco e que ao longo dos anos se tornou também um dos pioneiros nessa modalidade, praticando constantemente em Fontainebleau, enquanto residia em Paris, longe dos Alpes. Ele também fez parte dos Bleausards, um grupo de escaladores que escalavam em blocos no meio das florestas, durante as décadas de 1920 e 1930.
Em 1948, Pierre Allain publicou um livro intitulado Alpinisme et compétition, onde escreveu tudo sobre os frutos colhidos que a escalada em Fontainebleau rendeu, contribuindo de forma ímpar para a preparação física e psicológica dos montanhistas de Paris. Ele também escreveu outros livros, como “Lárt de l´alpinisme”. E, em 1950, Allain abriu uma loja de montanhismo em Paris, que fora vendida mais tarde.
Grandes conquistas (breve resumo)
- 1933: primeiro da crista sudoeste do Aiguille du Fou com Robert Latour;
- 1934: primeiro da crista sudoeste de Pic Sans Nom;
- 1935: primeira subida da face norte do Petit Dru , com Raymond Leininger;
- 1936: primeira expedição francesa ao Himalaia (Cordilheira do Karakoram), onde ele se destacou com líder dessa empreitada;
- 1937: primeiro da crista leste do Dent du CRocodile com os irmãos Jean Leininger e Raymond Leininger e primeiro da crista nordeste dos Grands Charmoz com Yves Feutren;
- 1941: Pierre Allain trabalha na Argélia no local da Ferrovia Mediterraneo e Niger (posteriormente abandonada);
- 1943: escalou em Chamonix;
- 1944: participação na Libertação do Vale do Arve;
- 1945: cruzando as Aiguilles de Chamonix de Plan a Grands Charmoz com Guy Poule, com uso de abandono;
- 1947: estreia da face sudoeste do Cardeal com F. Aubert e J. Rousseau. Primeiro da face oeste de Blaitiere com Auguste Fix, cuja passagem chave, uma fenda saliente com borda alargada, devia estar na dificuldade máxima da época;
- 1950: Pierre Allain recusa a presidência do High Mountain Group (GHM), que reúne a elite francesa e até mundial do montanhismo;
- 1963: Pierre Allain deixa Paris para se estabelecer definitivamente nos Alpes, em Uriage, no Dauphiné. Ele dedica seu tempo à sua oficina que fabrica mosquetões leves, escadas para cavernas e escaladas;
- 1984: aos 80 anos, sobe a rota Boell em La Dibona, com seu filho Paul;
- *Grande parte dessas vias encontram-se em montanhas famosas, como o Mont Blanc.
Legado e morte
Pierre Allain era alpinista, pai, amigo, escritor, inventor, gênio, francês orgulhoso, guia… Uma personalidade ímpar imprescindível para a evolução das modernas técnicas de escalada.
A sua contribuição ficará eternizada em seus inventos, pois toda vez que um montanhista clipar um mosquetão em sua cintura, Pierre Allain vive.
Ele faleceu no dia 19 de dezembro de 2000, aos 96 anos de idade, menos de 20 dias antes de seu aniversário de 97 anos.
Fez sua última subida aos 80 anos, escalando com seus filhos a rota Boell de la Aiguille Dibona (3.131m)… E ele, meus nobres leitores, não era apenas um desenvolvedor de materiais, ele mesmo se tornou um dos melhores escaladores de sua época.
Descanse em paz, Pierre Allain! Os montanhistas do mundo todo perdem um pai, o pai do montanhismo moderno, e nesse texto fica a minha homenagem, pois o maior cume você já conquistou junto ao Criador e Senhor de todas as montanhas.
Para frente e para alto;
Montanha Brasil.
Para saber mais: O vídeo está em francês, porém as imagens falam por si