Quando eu a conheci, tinha por volta dos 30 anos, tinha parado de beber por entender-se alcoólatra e terminado um casamento de oito anos por motivos financeiros. Estava tentando sobreviver exclusivamente da sua arte e iniciava um namoro com um cara aparentemente bacana, mas dependente químico e viciado em sexo, passando a impressão de que substituiu seu vício pelos vícios dele. E eu, que acho muito cômodo o combate atrás das telas e chatas as pessoas que se utilizam exclusivamente dessa ferramenta para se intitularem militantes, decidi ouvir, ajudar e acolher.
Foram quatro ou cinco anos de uma relação de abuso financeiro e emocional. Aquela história de que “ele é assim mesmo” e “ele não me bate” eram as desculpas mais utilizadas. Eu ouvia as barbaridades com a mesma paciência que ouvia os pretextos do perdão, até o dia em que ela acordou. Depois de amargar um prejuízo financeiro gigantesco e uma autoestima mais que abalada, desistiu. Uma semana depois, pensando em voltar atrás, ele já estava com outra, e, além de tudo, ainda veio a culpa. Culpa dela por ter me ouvido. Culpa minha por ter falado.
Passado o luto, outro príncipe. Desses que abrem portas, puxam cadeiras e pagam as contas. Mas que, em contrapartida, exigem roupas, senhas e exclusividade. Na paixão que confunde posse com amor, ela acreditou que era ele quem faltava. O homem dos seus sonhos, e tudo o que eu dizia, era usado contra mim, ao ponto dele convencê-la de que minhas colocações não passavam de inveja. E ela se foi até eu a perder de vista, perdida também por sua família, seus amigos e seus clientes.
A liberdade virou ronda, que virou prisão, que virou morte. Na noite em que conseguiu carona para fugir, o último som ouvido por ela foi a voz dele gritando “vadia”, seguido pelo estampido de uma arma. Depois, aquele segundo de lucidez que a fez se arrepender de não ter feito diferente. Tarde demais.

👉 Receba as notícias mais importantes do dia direto no seu WhatsApp!
Clique aqui para entrar no grupo agora mesmo
✅









