Recentemente, pesquisando aleatoriedades na internet, descobri que o romance Mrs. Dalloway, da autora inglesa Virgínia Woolf, completará 100 anos em 2025. Outro livro também publicado em 1925 e que irá comemorar seu centenário em abril do próximo ano é O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, considerada uma das maiores obras literárias do século 20.
Essas coisas da vida… eu nunca tinha prestado atenção para as datas de lançamento desses dois livros, ambos tão especiais para mim. Essas duas histórias me marcaram tanto que, se eu tivesse alguma coragem para me tatuar, com certeza escolheria não uma imagem, mas sim uma citação: ou a fala que abre uma das obras, ou a que termina a outra.
“Mrs. Dalloway disse que compraria as flores ela mesma”, é como Virgínia inicia a história que conheci através de um filme chamado As Horas, lançado em 2002, quando eu tinha 18 anos. Na trama cinematográfica, a escritora é uma das personagens e está escrevendo sobre essa mulher que dará uma festa. “Ah, Mrs. Dalloway… sempre dando festas para encobrir o silêncio” declama, com um suspiro, o personagem Richard, grande amor de Clarissa Dalloway e escritor. Em 2006, comprei o livro que Woolf aparece escrevendo, no filme. Não tenho mais o exemplar. Emprestei-o e me esqueci para quem.
Todo o livro se passa durante apenas um dia, um dia apenas e, dentro dele, toda uma vida. As Horas e Mrs. Dalloway se misturam em mim, até hoje. Sempre confundo passagens do livro que inspirou o filme com as palavras da própria Virgínia. Gosto que se ajeitem assim, na minha memória: líquidos e indissociáveis, como se eu pudesse, sempre, descobrir detalhes e nuances que passaram despercebidos. Como se eu quisesse, por vezes, remar até minhas frases preferidas e ancorar junto às velhas paragens. Portos no rio do tempo.
Jay Gatsby, personagem principal de Fitzgerald, também prepara festas. Após comprar uma mansão, na Long Island dos anos 20 do século passado, o novo rico ostenta dinheiro e luxo, na esperança de atrair de volta para sua vida seu amor do passado, a bela e rica Daisy Fay. Gatsby faz confidências ao primo da amada e seu único amigo, Nick Carraway, um aspirante a escritor. Três livros que sussurram o incômodo do silêncio, que detalham festas melancólicas que celebram o vazio, que retratam personagens escritores que espelham seus próprios criadores. Três livros que, volta e meia, retornam aos meus pensamentos e me fazem perguntas: quem você era, quando nos conhecemos? O quanto daquela menina ainda persiste? Quais de suas melhores convicções já se perderam? Com quem de nós você ainda se identifica? Não… personagens de livros não são imutáveis. Eles se alteram, conforme envelhecemos. Ganham ou perdem relevância. Nos soam mais sábios ou pueris. Convertem-se em tolos irrecuperáveis, ou em solitários sem uma segunda chance.
Não pretendo me tatuar, juntando pele e tinta num vão exercício de eternidade sobre tela perecível. Prefiro, sobremaneira, a tinta das canetas esferográficas e da prensa de Gutenberg. A tinta incorpórea da tela onde escrevo. A tinta invisível e sorrateira daquilo que lemos e que se impregna em nossas retinas, anos a fio. A tinta indelével que nos marca e nunca nos deixa, pois somos o que Fitzgerald descreveu, ao encerrar seu Grande Gatsby “E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado”.
