Há um abismo que separa o ego ferido de um coração partido. As frestas abertas num peito dolorido sopram melancólicas e agudas. Respirar dói, não há forças para o drama, o ultraje, a acusação. O ego, por outro lado, é barulhento e escandaloso. Verte lágrimas, soluços, pede perdão de joelhos. Ou, nos mais terapeutizados, cospe racionalizações feito pérolas. Lições, livramentos. Nenhuma emoção passa sem o escrutínio do intelecto. O primeiro, sente. O segundo, ressente, ofende-se, melindra-se, explica-se. Não se explica o sentir. Não é algo sobre o que se deve dar satisfações.
É preciso coragem para sofrer. Também, certa dose de altivez. O mais comum é mimetizar, tanto o fundo do poço, quanto a catarse assistida. A triunfante volta por cima. A superação de algo, ou alguém que, se partiu, melhor que tenha sido assim. Camadas e mais camadas. No fundo, no fundo, tudo raso, tristemente, raso.
Qual escrita pode nascer de uma personalidade incapaz de se enfrentar, de sofrer? Por que tantos autores buscam lá fora, nas modas e tendências, sobre o que deveriam escrever? Por que, antes da primeira frase, buscam confirmação e validação externas do que ainda não criaram? Que demanda almejam suprir? Que olhos pretendem encantar, com seus escritos prétestados? Não entendo, não entendo…
Não pretendo exaltar o sofrimento, apenas respeito o confronto sincero. Reviver os fantasmas, convidá-los para dançar. Plantar nas páginas, para que floresçam, as sementes do que só conhecemos como espinhos. Também nos convém o avesso, pois quando amamos o que viceja, intencionamos que, pela escrita, tal efemeridade se imortalize, já que na carne será, como tudo é, passageira.
Resquícios de uma tarde ensolarada de junho. Um pensamento e outro entre a dúvida/espera de que o clima se mantenha mais ameno, com ventos vespertinos anunciando o breve e valioso inverno tropical. Quando pensamos a escrita, precisamos nos ancorar na realidade, enquanto perscrutamos as possibilidades, os longínquos portos da auto ficção. Nem sempre, temos algo a dizer. Algo que valha à pena. Porém, se nos propomos tal feita que a aceitemos por inteiro. Sem ressalvas. Sem escusas. Na vaporosa era regida pela economia da atenção, respeitemos tanto a nós mesmos, quanto aos olhos que, por ventura, nos leiam.