Há muitos milênios, vivíamos em sociedades matriarcais: sem poder sobre a natureza, a humanidade temia e respeitava seus mistérios e tinha, como recursos de sobrevivência, a busca da harmonia temerosa e assustada com suas intempéries, a vigilância constante de suas variações e a abnegação diante de sua grandiosidade e onipotência.
O ser humano trilhou seu caminho sobre a terra e se fez multiplicar através do controle de conhecimentos e instrumentos que permitiam olhar nos olhos do furacão: ao enfrentar a natureza de igual para igual, ao nos protegermos dela, decidimos contra-atacar e nos permitimos usá-la em prol do progresso, da manutenção da vida humana longeva, das riquezas adquiridas e acumuladas, do poder exercido sobre aquilo que parecia insuperável aos nossos ancestrais.
Yin-Yang: o feminino e o masculino. A mulher e o homem. A terra e o fogo. O elemento que dá nome ao nosso planeta é essencialmente feminino. A terra acolhe, como um útero, as sementes que, como o sêmen, engravidam a terra que frutifica e floresce em abundância. Mas, o que pode a terra receptiva contra a inseminação mortal que não pretende gerar vida? Mas, o que pode a terra desprotegida contra o fogo – elemento essencialmente masculino – que drena sua força vital e esteriliza seu útero com violência e brutalidade?
Há muito tempo, vivemos em sociedades patriarcais e nosso poder crescente sobre a natureza faz com que a humanidade desdenhe da terra: a harmonia, agora desnecessária, se transformou em escárnio, escarro e truculência. A sociedade moderna não espera o tempo agreste, não admira a potência natural, não planta com reverência para agraciar a colheita e não celebra a importância e beleza da terra. Não sendo mais temida, a natureza merece ser humilhada. Uma vez no pseudo controle dos rumos da vida os seres humanos decidem estuprar a terra para mostrar que podem, para mostrar quem manda.
O agronegócio tem rosto. Os grandes latifundiários têm bolso. As armas belicofálicas estão nas mãos. O fogo que queima e desfigura a face e o seio da terra é Yang/masculino. E o corpo mutilado da terra yin/feminina fenece, feito espetáculo de horror – será que a terra merece ser violentada? Será que a terra, mesmo calada, é a culpada por todo o seu sofrimento? Será que todos aqueles que pedem respeito para a deusa terra não passam de hereges desobedientes da palavra/ordem do deus cristão antinatural, criado somente à imagem e semelhança do homem e anulando a mulher?
Antes do patriarcado, antes do matriarcado, antes do surgimento da terra/gaia, a mitologia mais antiga que ainda consegue ser relembrada nos conta que o que existia era o caos, o princípio disforme aonde era o vazio. Esse é o nosso caminho em pleno curso: no fim, depois da mulher fértil veio o homem estéril e o que vem além do homem é o nada.