Mais de 40% dos estudantes adolescentes admitiram ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já ter sofrido com a prática de “bullying”, de provocação e de intimidação. O dado está na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE).
O bullying no ambiente escolar é uma preocupação que aflige tanto os estudantes quanto seus pais. O Dia a Dia ouviu mães cujos filhos passam por esse problema.
Uma delas, LP, mãe de três filhos, diz que uma postagem feita nas redes sociais por esta jornalista, autora do livro infanto-juvenil “E se fosse você?”, da Editora Colli Books, que aborda o bullying, gordofobia e racismo na escola, chamou a sua atenção.
Segundo ela, o post foi feito no Dia Nacional de Combate ao Bulliyng na escola e tocou profundamente o seu coração, já que sua filha atravessa sérios problemas emocionais e está em tratamento psiquiátrico.
Ela conta que a chamada de uma entrevista dada pela autora com o título “Só os fortes sobrevivem ao bullying, mas não sem marcas” a remeteu a todo o sofrimento que vem passando em casa.
“Minha filha já tentou o suicídio mais de uma vez. Precisou ficar internada, está em tratamento e precisei diminuir o meu ritmo de trabalho para dar assistência a ela”, conta.
LP não pediu sigilo a respeito de seu nome, mas para evitar possível constrangimento à sua filha menor de idade o jornal optou por manter apenas suas iniciais.
Segundo ela, a filha foi vítima de bullying na escola, e que o caso dela não é isolado. E foi em função do número de casos de adolescentes adoecidos que ela já havia pensado em se mobilizar, mas ainda não sabia como.
“A discussão sobre o bullying e os males provocados por ele na vida de crianças e adolescentes precisa ser ampliada. É preciso unir escolas, famílias, igrejas, e os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, e quem mais puder somar a essa pauta, para tratarmos desse mal que tem tirado a vida de filhos de muitas famílias”, enfatiza.
A mãe conta que seu sofrimento é também o de muitas outras mães e que estava pensando em montar uma associação para darem suporte umas às outras e também para lutar por políticas públicas e por mais conscientização na sociedade sobre a gravidade das consequências do bullying quando ele é ignorado.
LP conta que já recorreu ao Ministério Público para apelar por ações da instituições para fortalecer o combate ao bullying.
Juntamente com outras mães, inclusive, já foi recebida por Paulo Sérgio Moreira Nóbrega, 1º Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Cachoeiro de Itapemirim (entrevista com ele será publicada posteriormente).
Outro problema sério apontado pela mãe é que em casos de necessidade de internação, as filhas menores de idade ficam em instituições para dependentes químicos ou adultos com problemas psiquiátricos, onde muitas vezes são assediadas e abusadas sexualmente pelos internos e até por membros da equipe, que deveriam zelar pelas pacientes.
“Conversamos sobre essa carência de espaço adequado com o Dr. Paulo Sérgio e ficamos felizes em saber que estão atentos e já notificaram o município para construir um espaço adequado”, pontua.
Outro detalhe apontado pela mãe é que em qualquer doença física forma-se uma rede de solidariedade. mas que a doença mental é considerada frescura.
“É essa realidade que precisamos mudar através do acesso à informação e tratamentos adequados, pois a doença mental cria rejeição, julgamentos e o isolamento”, desabafa.
Vamos ouvir um pouco mais sobre o que essa mãe tem a falar.
A senhora falou que sua filha tentou o suicídio. Como lidou com isso?
A minha filha estava fraca, desistindo da vida, mas o meu amor e o medo de perdê-la me fizeram forte para lutar por ela. Todos os dias eu mostro que ela é importante, linda, talentosa.
Quais foram os momentos mais difíceis dessa caminhada?
Quando ela não queria conversar e se isolava no quarto eu falava através de vídeos que postava na minha rede social porque sabia que o meu amor chegaria até a ela. E eu olhava nos olhos dela e dizia eu estou com você, eu preciso de você e não vou deixar você desistir. Tentava fazer coisas para deixar ela feliz, para que pudesse se sentir amada.
Ela precisou se afastar da escola. Como foi esse processo?
Fomos conquistando a melhora dia após dia. Foi um processo árduo, doloroso e que demorou mais de um ano. Não foi rápido. Foi preciso blindar ela da crueldade do bullying para fazê-la renascer. Hoje ela já retornou para a escola, para as aulas de canto, balé, academia. Já consegue sair de casa sem pedir para voltar, sem crise de pânico. Ainda tem alguns gatilhos que a deixam triste em alguns momentos, quando dou muito amor, carinho, faço ela reagir. Hoje busco fortalecê-la para a vida. Porque sei que ainda enfrentará muito mal pela frente. O bullying é cruel, destrói, mata. E se não mata deixa sequelas eternas.
Que mensagem deixaria aos pais e filhos?
Bullying é crime. E a omissão também deveria ser. Hoje meu apelo é para os pais. Que tenham mais tempo de qualidade para seus filhos, percebam os sinais, estejam atentos à mudança de comportamento. Que parem e escutem a dor deles. E ensinem o respeito ao próximo, respeito às diferenças. É preciso falar sobre as consequências na vida do outro que sofre bullying e não permitir jamais que ele pratique ou sofra bullying.
Diante dos ataques nas escolas, a senhora diz que policiamento não é tudo. Por que?
Policiamento nas escolas é importante, mas não soluciona o problema. Esses ataques nas escolas são só a ponta do iceberg. É preciso união de toda sociedade para combater esses atos de violência e ódio instalado na vida das crianças e adolescentes. As escolas precisam fazer cumprir seu regimento interno, ser intolerantes ao bullying, não serem omissas e ajudarem a família a identificar e solucionar esses problemas vividos em âmbito escolar. A omissão gera o caos que estamos vivendo hoje. Infelizmente temos medo e insegurança de deixar nossos filhos nas escolas.
Porque a senhora pensou numa associação de mães de estudantes que sofrem bullying?
Primeiro porque precisamos encarar esse problema com a seriedade que ele merece. Ele é negligenciado e entendo que não recebe a atenção necessária. Nem das escolas, e muitas vezes nem das próprias famílias, por desconhecimento. Hoje vivemos uma epidemia silenciosa. Todos os dias adolescentes atentam contra a própria vida, cometem automutilação, estão perdendo o interesse pela vida tão precocemente por diversos fatores, mas na maioria há relatos do sofrimento com bullying. Nos últimos ataques nas escolas o bullying estava relacionado, segundo relato das mães. Esses ataques tomam proporção, visibilidade, pela crueldade do ato, mas não é só a facada, o tiro que está ceifando vidas. Mas também o bullying, ataques de ódio. E isso não é levado com tanta seriedade e nem tem a mesma repercussão, visto que a estatística de suicídio é muito maior que os ataques.
Qual seria a solução para esse problema?
Precisamos unir forças para combater e identificar qualquer sinal de mudança de comportamento, de agressividade, sofrimento e dor de nossas crianças e adolescentes. Dar a importância devida a cada caso. O mundo mudou e hoje a maioria das pessoas estão com sua saúde mental comprometida. É preciso estender a todas as famílias a possibilidade de tratamento adequado e acesso à medicação, que é muito cara. Eu e meu marido, felizmente, podemos custear o tratamento de nossa filha. Mas muitas famílias não podem. E tem outro detalhe muito importante. Precisamos nos escutar, trocar experiências ou simplesmente nos abraçar nos momentos mais difíceis. Então inicialmente é isso. Ao longo do caminho, quando a associação de mães estiver atuando, vamos vendo outras necessidades após a escuta de famílias, escolas e representantes da sociedade organizada. Porque o adoecimento de nossos filhos afeta a todos, de uma forma ou de outra.
A senhora diz que o relacionamento virtual é um agravante para esse problema. Por que?
Porque há a inversão de valores, a falsa felicidade e perfeição exposta nas redes sociais, o padrão de beleza imposto, a falta de tempo de qualidade dos pais com os filhos, a escola que parece ter medo de agir como se deve e acaba sendo omissa nesses casos. E o mais assustador é a proporção e o alcance que o bullying virtual tem, e isso faz com que nossas crianças e adolescentes tenham vergonha do mundo. Por isso a importância do tratamento inicial a fim de minimizar os riscos e danos causados na vida desse adolescente. E pergunto: aquele que fere o outro com uma facada, será que ele também não foi uma vítima desse sofrimento antes e foi negligenciado? A grande maioria atenta contra sua própria vida, mas será que não poderia desencadear outros distúrbios? Se ele não for assistido por profissionais adequados sua revolta pode ser com o mundo? Essa é a minha preocupação, o que nos reserva o futuro de nossas crianças e adolescentes? O por que o mundo se tornou tão ruim que eles preferem a morte ou se isolar em suas casas e quartos? Que sociedade estamos construindo? Essa é a minha maior preocupação. E é isso que queremos discutir a partir dessa associação.