“Talvez o meu destino seja eternamente ser guarda-livros, e a poesia ou a literatura uma borboleta que, pousando-me na cabeça, me torne tanto mais ridículo quanto maior for a sua própria beleza.” Fernando Pessoa. Livro do Desassossego
A leitura compartilhada em grupos tem se tornado um fenômeno social, principalmente entre as mulheres. Clubes de Leitura não são uma prática recente, mas, durante a pandemia, foram redescobertos pela sociedade apartada do convívio social – a literatura como companhia e intermédio das relações humanas ganhou novos ares e significados ampliados. Interessante pensar que ler um mesmo livro em grupo é uma prática que ora se aproxima,em seus objetivos, da leitura individual e marcada pela subjetividade e ora se afasta desse aspecto, não para negá-lo, mas para expandi-lo.
Samanta Schweblin, autora do terceiro livro de 2023 do Clube de Leitoras, Pássaros na Boca – Editora Fósforo, 2022 – em entrevista para o jornal Estado de Minas: “O medo me fascina porque exige atenção absoluta”. Aceitamos ler o que nos assusta? Escolhemos livros que nos incitam a discordar? Dedicamos tempo às histórias terríveis? Aos personagens de caráter questionável? Aos finais ultrajantes? Às frases que nos enojam? Aos ideais que desprezamos? Ao que não seremos capazes de admirar, entender, ou, sequer, terminar a leitura? Ao que não ousaremos ler uma segunda vez? Muito propagamos sobre a literatura que nos apaixona e fideliza. Há espaço para os livros que nos causam asco e incômodo? Como lidamos com o desassossego – na vida e nos livros?
O ato de ler começa muito antes da primeira página. A leitura em grupos nos propicia experimentar a história contada pela autora, mas, principalmente, nos insere em diálogos e afetos que são permeados pela literatura, antes, durante e depois do contato direto com o livro.
Que a literatura nos permita exercer momentos de autonomia, mas também reconhecer o valor das trocas e daquilo que poderá nos sensibilizar somente se permitirmos que nos alcance.
A leitura proveitosa requer momentos de silêncio e solitude, porém ela se aprofunda quando perpassa, também, nossa susceptibilidade ao outro, ao diferente, ao inusitado, ao desconcertante, ao absurdo, ao que não queremos ver. O interesse genuíno por aquilo que não somos nos expande e nos afasta da solidão. Ao nos expormos àquilo que nos inquieta alcançamos partes assombradas de nós mesmos que, à luz da literatura, tornam-se menos opacas – ler também é tornar mais amigáveis nossos próprios fantasmas.