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Clube do Livro: quando a literatura transborda as páginas

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

Até o século 18, pode-se dizer que a sociedade influenciava a literatura e era o espelho dela. Com a publicação de Werther e o surgimento do Romantismo, a literatura pela primeira vez deixou os livros e passou a influenciar a sociedade, as suas questões, os seus costumes, as suas tradições e até mesmo as suas
vestimentas. Gustavo Melo Czekster

 

Imagine um dia comum em sua vida. Muito provavelmente, você acorda, toma café, se arruma e vai para o trabalho. Passa a manhã e a tarde envolvido em suas tarefas e obrigações, com um breve intervalo para almoço. Também, durante todo o dia, irá checar muitas vezes suas redes sociais, curtir postagens, conversar com amigos, mas é bastante possível que se esqueça, poucos minutos depois, das imagens que ganharam seu like e dos vídeos engraçados que recebeu em seu celular. À noite, fará tarefas domésticas e terá alguns minutos de lazer, em frente ao computador ou à televisão, e irá dormir algumas horas até que seja o momento de reiniciar o mesmíssimo ciclo.

Nossa vida, no século 21, é rápida, rasa e orientada à maximização dos lucros. Somos incessantemente pressionados a produzir e consumir, a acreditar que as pausas são perda de tempo e dinheiro.

As escolas priorizam, a cada dia mais, as disciplinas técnicas. A arte – música, pinturas e atuação – tem sido cada vez mais esvaziada de seu potencial contemplativo e de destino para aqueles que procuram refúgio e respostas e tem se convertido em grandes eventos que funcionam como lazer a ser consumido. Sem brechas e sem profundidade, avançamos apressadamente para lugar nenhum e, sem tempo ou vontade de mergulharmos no instante e nos abismos de existir, nos entorpecemos. A maioria esmagadora dos adultos assoberbados de 2022 reclama e condena sua própria rotina estafante e tediosa. O que poucos de nós estamos dispostos a admitir é que esse mesmo cotidiano sufocante funciona, para todos, muito mais como uma proteção autoconstruída do que como algo que queremos realmente nos livrar se tivermos chance.

Nosso entorpecimento coletivo é um projeto que abraçamos e aceitamos de bom grado, mesmo que quase ninguém queira falar sobre isso.

Durante o mês de maio, em nosso Clube de Leitoras, estivemos em companhia da autora Clarice Lispector através de seu inquietante e avassalador conto Amor. Na história, uma mulher comum sai de casa e vai fazer compras. No caminho de volta para sua casa, ela toma um bonde e, ao ver um cego mascando chicletes, toda sua vida impecável e perfeita desmorona dentro dela. Ana – a personagem dessa trama – passa então a vagar pelos bairros próximos ao seu prédio, perdida em sensações e pensamentos provocados por tudo que ela inconscientemente reprimia para que sua felicidade e seu papel de esposa e mãe não se desvanecessem e não transformassem sua paz e sua vida organizada e previsível em caos e escombros. Com sua genialidade e profunda perscrutação da alma humana, Clarice colocou em Ana uma marca, uma senha: ao lermos suas linhas, percebemos que essa personagem poderia ter o meu nome, ou o seu leitor ou leitora, porque todos nós temos as nossas horas inquietantes do dia – seja o amanhecer, o final da tarde ou a madrugada – quando pressentimos que uma vez terminadas nossas obrigações e uma vez supridas as nossas necessidades e as daqueles de quem cuidamos não temos mais muita certeza se realmente continuamos existindo.

Em algum momento inesperado de um dia qualquer seremos tomados pelo assombro da vida como se recebêssemos no rosto uma forte rajada de vento. De dentro do carro, do ônibus ou caminhando pelas ruas, a visão de um mendigo parado ao sinal pode nos atirar ao redemoinho da piedade, da compaixão, do desespero.

Uma música antiga que, por acaso, decidimos ouvir, vai nos paralisar e nos fazer perguntar como chegamos até aquele instante. Um cheiro intrometido vai invadir nossas narinas e as memórias que ele despertará nos levarão as lágrimas. Enfim, todos nós teremos o nosso cego mascando chiclete. Em algum momento imprevisto – uma manhã ou tarde corriqueira de nossas sonâmbulas vidas – seremos surpreendidos pelo o que não queremos ver. O que temos em comum com Ana é que, sem aviso, esbarraremos nesse ponto de ruptura. Um ponto sem retorno. Um instante nauseante de desespero e diluição que nos fará questionar toda a vida que construímos custosamente. A vida que nos acostumamos a reclamar dela. A vida insuportável que nos permite suportar.

A citação que abre essa coluna conta sobre a mudança que aconteceu, primeiramente na Alemanha e, depois, em todo o mundo ocidental. Os sofrimentos do jovem Werther, livro de Johann Wolfgang von Goethe, causou grande comoção depois de seu lançamento. A história de Goethe inspirou dezenas de jovens leitores, que passaram a se vestir como o protagonista, com calças amarelas e colete azul. Além disso, as discussões que aconteceram em torno da repercussão causada pelo livro deram origem a um termo em psicanálise: o Efeito Werther. Para muitos estudiosos, o sucesso do livro se deveu ao fato de que, naquela época, assim como agora, as regras sociais exerciam enorme pressão sobre os indivíduos. A história de amor não correspondido do jovem personagem desse romance suscitou, nos leitores, questões relacionadas aos sentimentos, à estética, à vida. O livro de Goethe sobre uma trágica história de amor desestabilizou inúmeros leitores contidos e sufocados do século 18 – assim como a personagem de Clarice experimentou a ebulição dos sentimentos aprisionados quando um cego mascando chiclete se tornou o espelho para aquilo que ela se recusava a ver.

Ana retoma seu caminho e termina o conto protegida e resguardada em sua casa, com sua família, apagando a flama do tortuoso dia. Werther comete suicídio, pois não conseguia suportar uma existência sem amor.

Quando a literatura transborda as páginas, ela nos assombra porque nos mostra a nossa própria vida. E a vida, muitas vezes, só é tolerável dentro das nossas frágeis, mas necessárias, cascas e rotinas. E a vida, tantas vezes, é tão dolorosa e brutal que a ausência de entorpecimento é aquilo que nos destrói.

 

Olivia Batista de Avelar. Professora de inglês, pós graduada em filosofia, apaixonada por cinema e escritora
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