A terceira maior economia da Ásia agora abriga quase um quinto da humanidade – em abril de 2023, A Índia ultrapassou a China como a nação mais populosa do mundo. Multiplicam-se na internet os artigos e análises sobre essa mudança geopolítica e quais serão seus impactos na economia mundial. Enquanto a China perde seu bônus demográfico de décadas, a Índia desponta como o país que terá o crescimento mais acelerado nos próximos 30 anos. Com 50% população formada por jovens, o desafio do país será a geração de empregos. Está escrito: o século 21 pertence ao oriente e os olhos do mundo se voltam para a nova “fábrica do mundo”.
Da minha parte, nos últimos dias, só tive olhos para Alia Bhatt e Shantanu Maheshwari; entre os 1.425.775.850 de indianos, me detive em assistir inúmeras vezes à cena em que os dois atores interpretam o casal que viveu na década de 60, enquanto se olhavam e gesticulavam, em silêncio, apostando seus próprios corações em um jogo de cartas que é uma das cenas mais lindas que já tive o deleite de assistir num filme. A Voz do Empoderamento – Sanjay Leela Bhansali, 2022, disponível na Netflix – meu primeiro encontro com o cinema de Bollywood foi amor à primeira vista.
Há alguns dias, tenho pensado: “o que escrever sobre essa obra?” Algumas ideias frouxas surgiram, mas descartei todas. Não conheço Bollywood o suficiente para afirmar que Gangubai Kathiawadi – nome original do filme – é inovador, ousado ou disruptivo. Tampouco, consigo pensar se é tradicional, se repete fórmulas, se conta uma história parecida com muitas outras que já foram para a tela do cinema.
E foi exatamente nesse momento que entendi a magnitude dessa experiência: não sei o que pensar sobre o filme e esse esvaziamento mental, essa pausa, essa pane cognitiva me atirou num universo de sensações que, felizmente, não podem ser explicadas.
Quando eu era criança, eu brincava dos filmes que assistia. Eu repetia as falas, cantarolava as músicas, fingia que os personagens eram meus amigos e os levava para a escola, a igreja, a casa das amigas. Gangubai é baseado em fatos reais. É drama, ação, romance, suspense, superação, mas, para mim, terminadas as duas horas e meia de filme, é uma história entranhada sob a minha pele. É as músicas que tenho ouvido ininterruptamente enquanto danço pela casa. É os olhares das cenas de amor sem beijo (filmes indianos não mostram beijos) que me fazem corar e sorrir. É a vontade de imitar a sonoridade das falas em hindi e de balançar o pescoço para concordar com o que me dizem.
Admiro o cinema que pensa – há anos me debruço sobre as questões da vida tendo-os como companhia e norte.
No entanto, há sussurros do corpo que não ouvimos com o entendimento. As vozes mentais nos deixam surdos. O tambor, as coreografias lindíssimas, a exuberância das cores, o sangue, as surras e as pétalas de rosa – há um perfume em Gangubai que não pede licença. É a verve que eu considerava perdida. É o renascimento da vontade primeva de ser cinema, não de entendê-lo.