Eu não tenho problema algum com essas novas gerações. Cancelamento, problematização, pautas igualitárias, mil opções sexuais e outras mil de gênero, influenciadores digitais, filósofos de twitter, nada disso me bole a alma.
Quando eu era novo e tinha meus sonhos, minhas ideologias, meu gosto para me vestir e ouvir música, quando tudo o que eu pensava e gostava era criticado sem piedade pela geração de adultos ultra mega hiper sábia, prometi a mim mesmo que eu seria diferente deles, que não olharia para os jovens de minha velhice e cagaria críticas ao que os move, que eu me colocaria no meu lugar e daria a eles o espaço e o respeito que eu queria ter recebido dos meus pais e dos adultos que me cercavam. Não me esqueço dessa promessa.
Quando vejo algo dessa geração com a qual não concordo, penso que é isso mesmo, que talvez eles estejam errados ou exagerando, e que é assim que se aprende. O movimento se faz com o movimento. É cômodo e simples para nós botarmos embaixo do braço o Grande Manual de Como Eu Acho Que O Mundo Tem Que Ser e andar por aí esfregando essas certezas na cara das novas gerações.
O que deveríamos estar fazendo é refletindo sobre os motivos pelos quais nossos sonhos fracassaram tão assustadoramente. Onde foi parar “aquele garoto que queria mudar o mundo”?
Se conseguimos alguma mudança, ela foi para pior. Estamos entregando a casa para os novos inquilinos e ela está muito ferrada. Podemos não ter água potável daqui uns 50 anos. Já estamos vivendo com racionamentos de água. O alimento que produzimos só tem o nome e a foto do que deveria conter, mas na verdade contém um amontoado de coisas que nem deveriam ser consumidas. O sistema político em quase todos os países do planeta apenas perpetua equívocos e mantém velhos privilégios, o sistema econômico produz cada vez mais ricos espremendo um grupo cada vez mais miserável. As cidades sangram com a violência urbana, soterram a natureza que ainda resta e se tornam locais de dor, solidão e morte. Carros andam cada vez mais devagar, misturados a uma quantidade cada vez maior de outros carros. Dentro de cada um deles, uma pessoa sonha com uma vida sem tanta tensão.
Nós somos a geração que fracassou. Não temos tempo para o amor e nem sabemos o que fazer quando o tempo e o amor surgem dobrando as esquinas.
Assustados, matamos o amor (todo homem mata o que ama, não é mesmo? Oscar Wilde já nos cantou essa balada). Não temos tempo para criar nossos filhos, não temos espaço para nossos bichos de estimação e nem para os vôos de nossas almas. Assustados, nos isolamos atrás de uma tela de celular e disparamos nossa metralhadora de achar culpados. São as novas gerações que tornarão o mundo pior porque preferem andar de bicicleta ou patins, porque querem reescrever livros ou eliminar filmes. Ora bolas, em 15 anos metade do povo que critica as novas gerações não estará mais aqui. Em 20 anos se vai praticamente a outra metade. Mas essa molecada vai continuar por aqui e tem o direito de decidir em que mundo quer viver. E, nesse tempo, estaremos cada vez mais fechados em nossas casas, apavorados com o mundo lá fora que construimos. E estaremos culpando aqueles que vieram depois de nós, exatamente como fomos culpados pela geração anterior e essa pela anterior a elas e assim infinitamente, mantendo a roda da “culpa é do próximo” perfeitamente funcional.
Não tenho problema algum com essa nova geração. Se querem reescrever livros, que o façam. Eu tenho os livros originais e seguirei com eles. Se querem proibir filmes, que o façam. Eu tenho os filmes originais e seguirei com eles. Se querem cancelar falsos pensadores, que o façam. Meus pensadores jamais pediriam desculpas apenas para não perderem um patrocinador ou um anunciante. Talvez estejam equivocados em algumas coisas. Talvez estejam exagerando em outras. E isso é estar vivo tentando encontrar seus próprios caminhos.
O mapa que eu uso no meu caminho serve somente a mim mesmo e de vez em quando ainda me faz errar de forma absurda.
Não sei dizer o que está correto ou errado nas novas gerações. A geração de meus pais também não sabia dizer o que estava certo ou errado na minha. A diferença era que eles não calavam a boca tentando me fazer aceitar seu manual de vida. Eu não faço isso. Como em uma corrida por uma trilha estreita em direção ao alto da montanha, se um corredor mais rápido chega atrás de mim eu encosto para o lado e lhe dou passagem. E ainda digo “boa sorte, você está indo bem”.
Boa sorte, espero que vocês consigam algo melhor do que nós conseguimos.