Um hospital da Serra e um médico foram condenados pelo juiz Eduardo Geraldo de Matos, da 1ª Vara de Guaçuí, a indenizarem a família de um paciente do município que teve um de seus pulmões perfurados durante a realização de um procedimento médico. A vítima estava internada, se recuperando de uma cirurgia. O caso ocorreu em fevereiro de 2006. As partes sentenciadas podem recorrer.
O juiz entendeu que houve negligência por parte dos réus, que não demonstraram o cuidado necessário para evitar maiores complicações ao paciente, e os condenou a indenizar a família do paciente, autora da ação, em R$ 150 mil por danos morais.
“Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a ‘inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade’, traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo”, escreveu o magistrado na sentença, ao fixar o valor da indenização.
Válvula na cabeça
Parentes informaram no processo que a vítima sofria de neurocisticercose e que, após a confirmação da doença por meio de exames, foi diagnosticado que a complicação estava obstruindo a passagem de líquido para o cérebro, que tem como consequência o aumento da pressão intracraniana, devendo ser tratada através de drenagens valvuladas. Por esse motivo, o paciente foi submetido a uma neurocirurgia para a implantação de uma válvula na região cerebral.
Três anos após a realização da cirurgia, a vítima foi internada no hospital da Serra com quadro de meningite bacteriana e hidrocefalia, necessitando trocar a válvula. O paciente passou por algumas intervenções provisórias até que apresentasse um bom quadro para a troca definitiva do equipamento.
No processo, a família alega que a cirurgia para troca de válvula transcorreu bem e que, por volta das 10h30 do mesmo dia, o paciente foi encaminhado ao Centro do Paciente Crítico do hospital, chegando lúcido e tendo recebido a notícia de que, se a recuperação evoluísse bem, teria alta em dois ou três dias.
Os autores da ação relatam que ele chegou do centro cirúrgico com soro na mão e por volta do meio-dia veio a perder a veia, ocasião em que o enfermeiro tirou a agulha e o deixou sem soro e sem medicamentos.
Punção na veia
Segundo informações do processo, por volta das 15h, a mulher da vítima estranhou o fato de o paciente estar até aquela hora sem soro e medicamento. Ela foi até o posto de enfermagem, questionando se não havia nada prescrito para o marido, e foi informada de que um médico viria puncionar a veia do paciente, diante da impossibilidade de receber soro pelas vias periféricas.
Segundo o processo, o médico entrou no quarto às 16h e fez punção profunda do lado esquerdo do paciente. Os autores afirmam que após a penetração da agulha, a vítima abriu os olhos, gemeu e seu pescoço e rosto, do lado esquerdo, ficaram imediatamente escurecidos e inchados. A mulher da vítima relata que estranhou e questionou ao médico se tais reações eram normais.
O médico voltou ao leito e passou a mão no local onde havia realizado o procedimento, afirmando que eram apenas gases e que logo passariam, ainda que o paciente gemesse e respirasse com dificuldade. Ele saiu do quarto sem pedir exames para saber se havia alguma anormalidade.
Já o paciente, segundo informações no processo, não conseguia mais falar e apresentou sérias dificuldades em respirar.
Complicações
Tendo em vista o quadro, a mulher foi ao posto de enfermagem e expôs o problema à enfermeira, que a orientou a aguardar o médico, que foi chamado com urgência, sem sucesso.
Após oito horas vendo o marido sentindo dor, a mulher dele pediu ajuda novamente de madrugada. Ao ver o médico saindo de um setor do hospital, ela pediu que ele examinasse seu companheiro, que continuava gritando de dor.
Segundo a família, ao ver a situação do paciente, o médico decidiu chamar outro profissional para ajudá-lo, sendo solicitado que a mulher saísse do quarto. Ela relata na ação que ficou no corredor, observando pelo vidro, e que presenciou os médicos gesticulando enquanto enfermeiros saíam do quarto com toalhas banhadas de sangue.
Pulmão perfurado
Após algum tempo do ocorrido, o segundo médico acionado explicou para a mulher que, ao puncionar a veia, foi perfurado o pulmão do paciente e que foi realizada drenagem para a retirada do líquido que havia se acumulado no local.
A mulher contou que seguiu a indicação do médico de ir para casa e retornar na manhã seguinte. Porém, ao chegar novamente ao hospital, encontrou o paciente ainda com dor forte, sem falar, sem se alimentar e abrir os olhos.
De acordo com a mulher, a agonia do marido durou mais dois dias até apresentar quadro de morte cerebral e ir a óbito, sem que fosse dada explicação sobre a morte.
De acordo com familiares da vítima, o atestado de óbito foi emitido tendo como causa morte cerebral do paciente, contudo eles alegaram que a morte se deu por negligência médica e ingressaram com ação na Justiça.
O outro lado
O hospital envolvido no caso alegou que sua responsabilidade não é absoluta, admitindo excludentes previstos no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Assevera que, mesmo que o consumidor venha a sofrer dano, se o serviço não tiver sido prestado de forma defeituosa, não pode o fornecedor ser responsabilizado por tal fato.
A unidade hospitalar também alegou que os serviços médico-hospitalares, sobretudo os atos cirúrgicos, contêm riscos inerentes à sua natureza, apresentando riscos ao consumidor mesmo quando prestados com toda técnica e diligência humana.
Em sua defesa, o médico alegou que todos os atos necessários para o tratamento do paciente foram adotados e que as informações prestadas pelos requerentes não guardam relação com a realidade. Salienta que o prontuário médico faz prova inabalável acerca da presteza e bom atendimento dispensado ao paciente, o que se comprova por meio das anotações ali lançadas.