E agora, que o domingo se foi, voltamos a exercitar a imensa capacidade humana de ficarmos invisíveis – não por fora, não aos olhos dos outros – mas por dentro.
Invisíveis por dentro, feito palha que se derrete na chuva grossa e deixa pingar um fio rastro da sua minguada existência. Agora não é mais hora de existir – deixe disso.
No fundo, no fundo, é bom: são férias. As férias reais. As férias possíveis; férias de nós mesmos. Feito as colhedoras de algodão cansadas e com mãos de lixa que, enquanto colhiam as nuvens, se fingiam de princesas, de amantes do duque, de pilotos de avião. Mesmo quando não existia avião.
É possível sonhar com o que não existe ou ainda não foi inventado. É como desenhamos o futuro. É o sonho dolorido do pobre anulado que inventa as coisas todas. Não é a mão do inventor. Não é a fábrica.
O mundo, as casas, as cercas de arame que não encobrem a vista do pasto, o gado, os prédios, os andaimes: tudo que existe.
Tudo que há já esteve, um dia, feito pássaro arisco escapulindo do poleiro, encarapitado na mente emplumada do pobre cansado, inventando um mundo onde seu corpo, e não só sua imaginação, pode ser livre.
A imaginação não liberta o corpo, mas descansa o peso da pena que não é feita de pluma. Descansa o penar. Transforma a penúria em nome de pássaro bonito e invisível – só quem vê é quem nasceu pra se anular por fora e se desenhar por dentro.
Outro tipo de risco, outro tipo de tempo.