A confusão começou cedo. Enquanto Rita arrumava as lancheiras dos gêmeos, Carol perturbava a irmã que ameaçava chorar, caso a mãe a levasse ao dentista.
— Ele vai arrancar seu dente e você vai morrer. Dizia Carol com malícia, apenas para ver a irmã chorando.
A pequena Letícia chorava e ameaçava não tomar o café e morrer de fome antes de chegar ao dentista.
Rita, cheia de afazeres e tentando dar conta de quatro crianças de uma vez, gritou com todos, sem dar importância ao medo “bobo” de Letícia.
—Carol, cale a boca e pare de perturbar sua irmã! Letícia, toma esse café logo senão quem vai acabar arrancando esse dente sou eu mesma!
A caminho da escola, Rita dividia sua atenção entre a estrada e as discussões intermináveis e por motivos banais dos quatro. Entre uma bronca e outra, telefone tocando, Rita quase causou um acidente ao se distrair e não perceber que o motorista a sua frente freou. Era difícil dar conta de tudo. Sentindo-se exausta, conferiu a hora, deixou os três na escola e seguiu para o dentista. Letícia continuava a chorar, mas Rita não tinha tempo para dar atenção à frescura da criança.
Pararam diante da porta da dentista, Letícia entrou em crise, ficou pálida, enfraquecida e só então a mãe percebeu a gravidade do medo.
Carinhosa, sentou a pequena no banco, abaixou-se até a altura dela e disse:
—Filha, porque tanto medo de arrancar o dente? É um dentinho de leite, não vai doer. —
Não tenho medo de arrancar meu dente, tenho medo do dentista.
— Por que? Ele é um bom profissional.
—Na escola, essa semana, na sala da Carol eles falaram sobre um homem enforcado que foi tirar o dente. Quem enforcou? O dentista.
— Quem disse isso? A mãe perguntou em meio às gargalhadas, perdendo completamente o controle da situação.
—A Carol! Respondeu Letícia, envergonhada com a risada da mãe, percebendo ter dito algo errado.
A dentista que havia se aproximado das duas e acabara por ouvir a conversa não teve dúvidas, naquele dia ela não seria apenas dentista, mas também a professora de história.