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Voa, Camila!

escritoras-cachoeirenses2-07-01-23
Escritoras Cachoeirenses

Camila escuta o despertador tocar e resolve ficar mais cinco minutos deitada, curtindo a preguiça. Mas, antes de pegar no sono novamente, lembra-se que hoje será o grande dia de sua audição para entrar no elenco do Ballet de sua cidade. Poderia não parecer grande coisa, já que vivia no interior do Espírito Santo, mas sabia que precisava começar a dançar em algum lugar para mais tarde ganhar os palcos internacionais.

Nascida em Cachoeiro de Itapemirim, mas filha de mãe gaúcha, não dispensava um bom chimarrão durante as manhãs para lhe dar o vigor e ânimo para sua jornada diária de ensaios e estudos no Ensino Médio. Olhou novamente o relógio, terminou de se arrumar e, após o último gole do chimarrão, resolveu deixar um bilhete para sua mãe que chegaria do trabalho em breve. Dona Cristina criara a filha sozinha, trabalhando em dois hospitais como Técnica de Enfermagem. Era uma jornada bem puxada, mas era grata por mesmo em meio às dificuldades, jamais ter deixado faltar o pão e nem o afeto à sua única filha. Ela não entendia muito sobre essa história de querer ser bailarina, ao invés de médica ou advogada, mas respeitava e apoiava de todas as formas as escolhas da filha.

Camila confere a bolsa e vê que tudo que precisa está lá. Pega sua bicicleta e segue em direção ao Teatro Municipal. Para sua apresentação, optou por um solo ao som do Bolero de Ravel e coloca tanta paixão e leveza nos movimentos que quatro dos seis examinadores se emocionam. De fato, a jovem menina de longos cabelos loiros, sardas no rosto e olhos verdes, acaba sendo selecionada para o corpo de ballet de sua cidade.

Entretanto, ao voltar para a casa em sua bicicleta amarela, um bêbado na direção a atropela. Ao sentir o impacto, a jovem viu seus sonhos serem lançados para longe e a escuridão tomar conta de sua mente. A jovem bailarina ficou em coma induzido por quase três semanas e, ao despertar em meio a atmosfera fria e branca do hospital, constatou que sua perna direita havia sido amputada. Seu mundo desabou mais uma vez.

Uma onda de ódio e revolta assolou a jovem Camila por quase um ano. Não queria saber de ver ninguém, pois os olhos de pena a incomodavam e a certeza de que jamais dançaria novamente minava todo o seu desejo de viver. Dr. Lisboa, renomado psiquiatra que trabalhara com Dona Cristina por longos anos resolveu ajudar a velha amiga. Camila relutava, pois estava ocupada demais odiando o mundo e sentindo pena de si mesma. Mas, depois de inúmeras tentativas, aceitou o convite do doutor em consideração à sua amada mãe.

Ao chegar no consultório, notou que ao fundo estava tocando o Bolero de Ravel. Sentiu no coração uma saudade enorme da emoção que todos sentiram, ao vê-la dançando na audição. Seus olhos ficaram marejados e, pela primeira vez, chorou lágrimas de saudade e não de ódio. Naquele momento, o Dr. Lisboa colocou um vídeo de uma menina que, assim como ela, havia perdido uma perna aos dez anos e que mesmo sendo desacreditada por todos continuava fazendo todas as coisas que gostava, inclusive dançar. Ao ver aquela menina rodopiando, inicialmente em uma cadeira de rodas e depois usando uma prótese, percebeu que o que havia de mais belo não eram os passos ou rodopios, e sim a alegria nos olhos daquela jovem bailarina. Seu coração voltou a ter uma pitada de esperança.

Durante meses, a jovem Camila lutou contra a dor e o medo. Encontrou o apoio financeiro entre os amigos da escola e de bailarinos da cidade. Começou uma longa jornada em uma cidade nova para o tratamento, tendo sua mãe como anjo da guarda. Agora, a jovem Camila, com sua perna “nova”, resolveu seguir adiante. Conheceu Javier, um professor de dança argentino que a tratava como igual, explorando sempre todo o seu potencial. Camila foi crescendo de grau em grau e, ao ao som da música, foi capaz de transformar aquela perna diferente em uma extensão de seu corpo.

Durante todo o processo, Camila teve como companhia a dor. Inúmeras lágrimas caíram naquele palco e, muitas delas rolaram em meio à solidão, pois precisava treinar mais do que todos. Mas Camila não desistiu. Nos momentos de extremo medo, segurava a correntinha que ganhara de sua mãe, onde se lia “Voa, Camila!” E ela, definitivamente, decidiu voar com as asas que tinha no momento.

O dia do grande espetáculo chegou. As luzes se acenderam e lá estava ela, com uma flor vermelha nos cabelos e pronta para dançar e encantar todo o público. Seus movimentos eram suaves, doces, mas também eram fortes para lembrá-la que estava ali viva e pronta para seguir sua jornada. No final, todos a aplaudiram de pé, não por pena ou porque era incrível ver uma menina dançando com uma prótese. Na verdade, os aplausos eram porque aquela jovem menina era a dança em pessoa e trazia consigo toda beleza e esperança daqueles que sonham e que passam por longas batalhas até o triunfo chegar. Ela era a representação de todos que já pensaram em desistir por motivos infinitos e se reinventaram a partir das dificuldades e rasteiras da vida para se reconstruir e trilhar uma nova caminhada.

Ao final da noite, por trás dos bastidores, enquanto recebia o abraço aconchegante de sua mãe, surgiu um senhor, olheiro de uma companhia de dança novaiorquina, perguntando se o visto dela estava em dia. Seus olhos se encheram de lágrimas e naquele momento Camila teve a certeza de que sua limitação física jamais iria determinar quem ela era e aonde poderia chegar.

Malas prontas, passaporte na mão e coração preparado para partir, rumo a Nova York. No caminho, Camila pediu à sua mãe que parasse em um determinado endereço. Camila desceu do carro, tocou a campainha em um bairro chique da capital Secreta do Mundo e foi recebida pelo homem que a atropelou. Camila, com a alma limpa e com um sorriso no rosto, deu um abraço no homem que tirou um pedaço dela e ele caiu em lágrimas, pedindo o seu perdão. Sua mãe a questionou por tal atitude, mas a jovem bailarina explicou que para voar é preciso tirar todo o peso morto da alma.

Ao longo de sua jornada, Camila aprendeu que sobreviver a um atropelamento onde foi mutilada foi a parte mais fácil. O difícil foi reaprender a viver de fato, de forma plena e grata. O segredo está em desfrutar das coisas boas que a vida tem a oferecer e fazer aquilo que realmente se ama. Ser grata por aquilo que tem, ao invés de reclamar. Ser sobrevivente de uma tragédia não é fácil e, provavelmente, a receita de Camila não será a mesma para outras pessoas. Mas o que realmente importa é a resiliência e o desejo de seguir em frente com a alma leve e o coração em paz.

Camila segue dançando e encantando a todos na terra do Tio Sam, carregando sempre consigo um sorriso no rosto, leveza na alma, firmeza nos passos e em seu peito o lembrete em forma de sapatilha preso a uma corrente dizendo: Voa Camila!

Mariana Elmira Lopes Bernardo da Silva. Mãe, mulher, artesã e escritora. Alguém que acredita que a união entre as mulheres salva o mundo

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