Uma inimaginável e incessante barragem de mais de três mil foguetes foram disparados em direção a Israel a partir da Faixa de Gaza, acertando diretamente áreas centrais e do sul de Israel e matando aproximadamente 900 pessoas. O grupo terrorista Hamas afirmou se tratar do início de uma grande operação para a retomada do território. Israel reagiu e cerca de 600 mortes ocorreram em Gaza com a retaliação israelense. Os feridos somam 5 mil.
A partir desse episódio que parou o mundo, o teólogo e hebraísta, professor em várias faculdades e seminários no Brasil e no exterior, Luiz Sayão, de São Paulo, fez uma análise e apontou as razões para a repentina ofensiva do Hamas contra Israel e os possíveis desdobramentos dessa guerra. Confira:
O que está por trás desses ataques do Hamas?
Esse ataque tão brutal é uma reação do grupo Hamas contra os países árabes que estão fazendo acordo de paz com o Israel e, como eles lutam contra essa paz, estão revoltados com isso. O Hamas luta contra a paz e se Israel quer ter paz precisa de fato, com o apoio de quem puder, fazer com que esse grupo seja retirado do poder e desestabilizado, bem como todos os grupos jihadistas e semelhantes que espalham terror no mundo.
Por que uma ofensiva tão repentina? Alguém imaginava isso?
Para quem acompanha mais de perto o cenário, sabe que é porque existem festas judaicas neste período, e são nesses momentos que eles entram em ação. Essas festas geralmente acontecem na primavera ou no outono, nos meses de março e abril e, principalmente em setembro e outubro, quando tem o ano novo. Então, é esperado que haja algum tipo de ação do Hamas, mas de fato é surpreendente que o Hamas venha fazer ataques de mísseis contra Israel. Os primeiros ataques foram feitos com mísseis mais caseiros, mas o potencial militar deles tem crescido, se desenvolvido. Muita gente tem afirmado de maneira enganosa que Israel controla e domina a Faixa de Gaza mas isso não pode ser verdade porque se fosse como é que eles conseguiram desenvolver um poderio bélico tão intenso em relativamente pouco tempo? Isso é sinal de que Israel tem se mantido à distância e não tem interferido diretamente na Faixa de Gaza, controlada pelo grupo terrorista.
Houve alguma falha de Israel nesse ataque recente?
Uma falha muito grande que está sendo discutida é: ‘Como é que Israel que é reconhecido como país muito bem treinado em termos de vigilância das suas fronteiras e do cuidado da segurança, não conseguiu detectar que o ataque seria feito dessa maneira e nessa intensidade? A maneira como aconteceu e o fato do Hamas conseguir entrar por terra, pelo mar e também descendo de paraglider já com todo aquele armamento, isso surpreendeu de uma maneira inesperada; então é lamentável, muito triste ver essas cenas de brutalidade inimaginável que aconteceu em parte também por uma falha muito séria da segurança de Israel.
Israel fez bem ou mal em contra-atacar os palestinos?
Nenhuma nação que é atacada por um grupo terrorista que afirma desejar a sua destruição e que convoca a todos que puderem para participar desse projeto genocida, pode ficar calada e não se mover de alguma maneira. Israel não só pode como deve se defender. No holocausto, quando milhões de judeus estavam sendo mortos e queimados pelos nazistas, pouca gente fez qualquer coisa para mudar esse cenário. E hoje, grande parte do mundo, inclusive a própria ONU não vai tomar nenhuma providência. Israel deve reagir a esse ataque perverso para poder ter a mínima condição de segurança nos seus próprios limites.
Quais nações podem se unir contra Israel?
A primeira nação capaz de qualquer coisa mais séria seria o Irã porque a fonte do que acontece com Israel vem do Irã. Os países que estariam contra Israel e apoiando direta ou indiretamente Gaza são a Assíria, talvez em parte o Iraque, a milícia do Hezbollah do Líbano, o Catar que historicamente tem refugiado lideranças do Hamas e outros grupos de jihadistas, especialmente o Talibã que domina o Afeganistão.
O que se pode prever?
Talvez a gente possa prever três situações: 1) grupos internos dentro da Palestina, Cisjordânia e até dentro de Israel, que venham ter algum tipo de reação por serem grupos mais radicais e que não querem uma paz dialogada. 2) A milícia do Líbano, do Hezbollah, que no final das contas tem apoio do Irã e é forte e perigosa. 3) O próprio Irã pode aproveitar a situação para fazer algum movimento muito problemático.
Qual a chance de termos um conflito mundial, uma terceira guerra?
Não vejo que esse cenário venha contribuir para uma guerra mundial, acho isso um tanto quanto alarmista. Eu penso que em mais algumas semanas Israel vai conseguir contornar e controlar a situação. A situação da Ucrânia é mais propensa a produzir algo assim porque a Ucrânia é um dos países mais ricos do mundo em termos de recursos naturais e interessa ao governo russo uma atitude invasora e agressora de ter o domínio da situação com pretexto de que precisa se proteger e usa maneiras indevidas para dominar a região. Com esse conflito quase que aberto entre Rússia e Otan temos uma situação mais complicada, mas o grupo do Hamas com Israel, do ponto de vista técnico, realmente eles não tem chance de qualquer situação vitoriosa. Hoje, a vasta maioria dos países árabes não apoia o Hamas, esse grupo não é consenso nem na Palestina, muito menos no mundo árabe.
O principal aliado de Israel são os EUA e por trás do Hamas tem o Irã; será que isso aconteceu porque os EUA vive um momento vulnerável, tendo em vista que acabaram de gastar com a guerra da Ucrânia, mandando dinheiro e armamento?
Ainda que os Estados Unidos historicamente tenham sido um bom aliado de Israel e tenham participado de maneira ativa e favorável, não entendo que sejam determinantes nesse cenário, aliás tivemos governos dos Estados Unidos semelhantes ao que temos hoje e isso de modo nenhum influenciou a situação; Israel é que se sustenta a si mesmo nessas situações. O ponto maior de desentendimento hoje é entre o Irã e a Arábia Saudita e a Arábia Saudita está muito mais simpática a Israel e em oposição e conflito muito acentuado com o Irã.
Essa disputa é territorial, política, religiosa ou econômica?
Aquela região toda foi dominada por 400 anos pelos turcos do Império Otomano e os turcos não tem nada a ver com árabe nem com judeu. Quando os turcos foram derrotados na Primeira Guerra Mundial, o imperialismo turco perdeu forças e as potências coloniais européias tomaram esse espaço; então a região foi dividida entre os impérios predominantes que eram ingleses e franceses.
A região da Síria e do Líbano ficou sob controle e domínio francês e a região que é hoje Israel, Palestina, Jordânia ficou sob domînio britânico que durou de 1917 a 1947. Durante o período do domínio turco, do domínio britãnico, os árabes e judeus sempre existiram e conviveram. Os árabes que estão nesse espaço, ora estão nas mãos dos turcos, ora nas mãos dos britânicos. Depois da Segunda Guerra Mundial os britânicos, os franceses, abriram mão do seu domínio na região e surgiu a proposta da criação dos Estados modernos, e como os judeus tinham passado pelo holocausto, surgiu a proposta de criar um estado judeu e um estado árabe na terra de Israel.
Quando isso acontece, os judeus desesperados com tudo aquilo que viveram, concordam, mas os árabes na sua maioria rejeitam. Na ocasião, havia um terço de judeus e dois terços de árabes na terra porque muitos árabes que não eram dali mas tinham migrado para lá por causa da relativa prosperidade que tinha acontecido na época do domínio britânico. Quando estava terminando o mandato britânico (e os britânicos deram a entender para os dois grupos que eles teriam estados), a proposta foi estabelecida sobre os dois estados, mas os árabes não aceitaram e atacaram os judeus. Isso gerou a guerra da independência em 1948; volta a ter um ataque em 67, outro em 73 com vários países e Israel consegue sobreviver e se manter.
Em 73 teve início o que é chamado de Movimnento de Organização e Libertação da Palestina e surgiu especificamente a discussão do território, ou seja, a quem ele pertence? Então existe uma questão do espaço a ser ocupado, dos melhores espaços.
A questão religiosa também existe até porque dentro do contexto islâmico acredita-se que as terras que uma vez foram islâmicas devem permanecer islâmicas para sempre. Então, a proposta islâmica mais radical não aceita a perda porque para o Islã é a última resposta de vida para humanidade, no entendimento deles isso é inegociável e principalmente ali já que Jersusalém é tido como lugar santo para eles também.
Em Israel, a questão não é tanto como as pessoas pensam, do ponto de vista religioso, que significa que os judeus devem ter direito a sua terra histórica e tem a ver com toda base da sua cultura. A questão de interpretações teológicas é discutível mas na Bíblia aparece a ideia de que Deus dá a terra a Abraão e a seus descendentes, mas de qualquer forma ela não apresenta uma ideia de que o povo recebe a terra e que essa terra não tenha mais como ser um lugar de paz para todos os povos. Pelo contrário, a visão é benéfica e escatológica do futuro porque fala de Israel, Egito e Assíria juntos.