Todos os apaixonados pelo esporte e surfistas nasceram e foram criados em cidades litorâneas, certo?
Errado. A história de Lara Fassarella Pierri, 23 anos, prova exatamente o contrário. Ela nasceu em Cachoeiro, viveu distante do mar a maior parte do tempo até os 17 anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro para fazer o curso superior.
Apaixonada pelo surf, praticou o esporte de forma amadora por alguns anos. Formada em Cinema, hoje ela vive profissionalmente produzindo fotos e vídeos de atletas em competições mundo afora.
A paixão pelo surf é desmedida, como faz questão de expressar. Lara destaca, contudo, que o surf é muito mais que uma prática esportiva. “É um estilo de vida em que você vive conectado à natureza”, enfatiza.
Vamos conhecer um pouco mais dessa jovem cachoeirense e saber de suas aventuras em busca inicialmente da onda perfeita, e depois, da imagem perfeita.
Como o surf entrou na vida de uma menina que foi criada longe da praia?
Eu conheci o surf através da televisão. Um dia estava mudando de canal e me deparei com um programa sobre o esporte. Fiquei apaixonada. Comecei a assistir àquele e a todos os outros programas para conhecer mais sobre esse universo. Fiquei realmente vidrada e quis conhecer um pouco mais desse estilo de vida. Comecei a acompanhar campeonatos e as coisas foram acontecendo aos poucos. Em 2015, quando me mudei para o Rio para fazer faculdade, a primeira coisa que fiz foi procurar uma escolinha para aprender a surfar. Tudo que fazia profissionalmente também envolvia o surf. Fui entrando no mercado, praticando, viajando, conhecendo pessoas e as coisas foram acontecendo. A minha percepção da vida mudou.
Porque essa mudança de percepção?
Porque existe um estilo de vida por trás do surf, da performance, das manobras. E esse estilo de vida está completamente conectado à natureza. O surf ensina que quem está no controle de tudo é o mar e você precisa se adequar ao que ele tem para te oferecer naquele momento. Você acaba mudando planos, viagens e toda a sua rotina de acordo com a previsão das ondas.
Qual a principal lição que o surf ensina, na sua concepção?
Aprendi que você sempre está sujeito ao que o mar tem para te oferecer naquele momento. Você faz planos, se prepara, mas não controla as ondas. Quando aparece uma previsão de ondas perfeitas, sempre se cria uma expectativa enorme para aqueles dias. E isso se aplica tanto a níveis profissionais, quando para amadores e iniciantes. Mas o que acontece na grande maioria das vezes é que o mar não está como você esperava, e você acaba tendo que lidar com essa quebra de expectativa. Você nunca está no controle. Acho que isso é uma lição do surfe que pode ser levada para vários outros aspectos da vida.
Outro ponto é que os surfistas sempre ficam de duas e três horas surfando, tomam vários caldos e ondas na cabeça e, na maior parte do tempo, ficam sentados na prancha esperando uma onda. É um exercício de paciência. E se você parar para pensar, a onda em si, que é a parte boa, dura no máximo uns 10 segundos. Acho que o surfe está sempre ensinando que você precisa se esforçar, remar muito, cair várias vezes e passar vários perrengues para ter a sua recompensa e não existe outro jeito ou outro caminho mais fácil. São as dificuldades que vão te levar para o sucesso. E acredito que isso fala muito sobre a vida também.
Qual é o principal desafio para se manter no esporte?
O principal desafio com certeza para quem quer se manter profissionalmente no esporte é a falta de patrocínio, investimentos e de mais campeonatos profissionais no Brasil. O surf por si só já é um esporte muito caro, que necessita de muitos equipamentos de alto custo. Além disso, o surfe não tem quadras ou arenas, então o atleta sempre precisa viajar em busca de ondas e das melhores condições do mar. Então, para um atleta profissional evoluir e treinar em diferentes tipos de onda, ele necessariamente precisa investir muito em viagens para o exterior. Infelizmente, isso acaba fechando as portas para muitos atletas que não conseguem apoios e patrocínios. Apesar do esporte ter crescido muito no Brasil após a conquista do título mundial do Medina em 2014, e agora como esporte olímpico, essa visibilidade ainda não é revertida para os atletas que ainda estão construindo suas carreiras. O que aconteceu foi que muitas marcas buscaram os mesmos atletas e o investimento ficou muito concentrado em poucas pessoas. Claro que as condições sociais e econômicas do Brasil acabam refletindo no esporte também, mas não existe uma estrutura e uma base forte para a formação dos novos atletas, o que acaba dificultando muito o cenário e encarecendo muito a vida do atleta profissional. Mas, apesar disso tudo, a minha visão é otimista, pois acredito que esse cenário tem tudo para melhorar nos próximos anos aproveitando-se desse boom olímpico.
Agora falando a níveis amadores e para quem está pensando em começar a surfar por lazer, como eu, acho que o mais difícil é manter a constância e não desistir de aprender, porque no início pode parecer muito difícil, mas certamente vale muito a pena.
Então o surf não é para pessoas pobres?
Muito pelo contrário, existem muitas histórias que provam que sim. Os principais atletas da elite do Brasil têm origens humildes, como o Gabriel Medina, a Silvana Lima, o Adriano de Souza e o Ítalo Ferreira. Por exemplo, como foi muito falado agora nas Olimpíadas, o Ítalo é filho de pescador e começou a surfar em uma tampa de isopor. Com certeza, o caminho é muito mais difícil e a disputa não é igual para todos, mas existe um caminho possível. A vida de um surfista profissional é muito glamourosa, com muitas viagens e lugares paradisíacos. Olhando de fora, tudo parece perfeito. Porém, nos bastidores, a maioria dos atletas está se revirando, fazendo vaquinhas, pedindo ajuda para todo mundo em busca de apoios para realizar cada viagem. Também tem muito atleta profissional que dá aulas de surfe para conseguir se bancar. Com certeza, é muito admirável ver o esforço que eles fazem para conquistar seus objetivos. Acho que quem pratica esse esporte e esse estilo de vida fica tão apaixonado e vidrado que todo esforço parece muito pequeno perto da possibilidade de realizar o sonho de viver do surfe.
Como você se define? Uma surfista que fotografa ou uma fotógrafa que surfa?
Acho que a minha relação com o surfe começou bem diferente do que a da maioria das pessoas desse meio. Eu me apaixonei por esse estilo de vida primeiro através do audiovisual e só depois passei a vivenciar o surfe. Então, para mim, a filmagem e a fotografia sempre vão estar muito conectadas ao surfe. Acho que não consigo diferenciar uma coisa da outra, sou uma surfista que fotografa e uma fotógrafa que surfa. Sempre tive esse direcionamento para a minha vida profissional, então procurava trabalhos que tivessem alguma relação com isso. Mas a minha jornada foi bem tradicional, durante a faculdade fiz um processo seletivo para estagiar em um canal de tv especializado em surfe e comecei a trabalhar com produção. Depois, isso me abriu muitas portas e fiz muitos contatos dentro desse meio. Depois de formada, comecei a trabalhar como freelancer na área de audiovisual, mas foi só no ano passado, durante a pandemia, quando eu não estava conseguindo muitos trabalhos, que eu comecei a focar na filmagem de surfe e depois não parei mais. É um mercado muito difícil e só agora estou começando a fazer os meus primeiros projetos, mas meu foco e meu objetivo é crescer mais e conseguir me manter nesse meio.