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Meu amigo, Chris Chambers

olivia-15-08-2023
Olivia Batista de Avelar

Gosto de livros com personagens escritores. São um aceno, uma piscadela dos autores. Poucos resistem à tentação de se mostrarem entre os personagens, de acenarem aos leitores de dentro da trama. De serem criador e criatura, ao mesmo tempo. Toda profissão tem sua vaidade, não seria diferente com escritores.

Nem sempre, os personagens-escritores são uma construção óbvia. Ou seja: nem sempre estão ali como alter ego do autor. Ou, pelo menos, gosto de pensar dessa forma. O que difere um escritor dos não escritores, em essência, é o olhar. Se todos se debruçam numa varanda, observando os fogos de artifício, o escritor vira as costas aos estouros e faíscas, mira as expressões nos rostos da plateia que espera o novo ano. Encantamento? Apreensão? Embriaguês? A tela do escritor é o teatro da vida, o desenrolar das escolhas, o passo que hesita, o salto no abismo que uma palavra desvela.

Gordie LaChance é o homem que, tendo realizado o sonho de infância de escrever profissionalmente, relembra a viagem que fizera com três amigos, aos 12 anos. No verão de 1960, o grupo deixou a pequena cidade norte americana para trás e, bosque adentro, buscava encontrar o corpo de um menino desaparecido e, pelo tempo, dado como morto. Provavelmente, arremessado às margens dos trilhos, pelo trem. O conto O Corpo, de Stephen King, publicado em 1982, brinca com a paisagem: ora os meninos se mantém nos trilhos e, mesmo assim, se dão mal. Ora se afastam deles, se perdem, mas são bonificados pela transgressão. As regras de viver nunca são óbvias. Nos livros ou fora deles.

Seguimos as lembranças de LaChance. Algumas paradas para acampar eram regadas à coca-cola e cigarros – o limiar da infância e a vida adulta que se assoma, no virar de cada esquina. Outras vezes, os meninos se sentavam em círculo, esse ancestral hábito humano, para ouvir histórias. Gordie LaChance tinha o costume de contar aos amigos as histórias que inventava. Até mesmo, aquelas que ainda não tinha escrito. Testava suas ideias. Colhia as reações. Se estivessem maduras, animava-se com a nova trama. Quando verdes e desinteressadas, lapidava as palavras: dobraria a aposta nas escolhas dos persongens. Há muito de mágico nos que escrevem. Sem reações, o abracadabra das palavras se perde no vazio.

A família, a cidade, o corpo do menino morto, o último verão com os amigos de infância. Nada escapa ao olhar do narrador. Porém, se chegarmos mais perto e colarmos o nariz às páginas, ao ponto de sentirmos seu pulso e sua respiração, se nos ativermos aos olhos de Gordie e seguirmos seu traçado, encontraremos, bem enquadrado no centro de toda a trama, um ponto que se destaca do entorno. Com maestria, Stephen King, o autor do conto, salta para a margem das páginas. LaChance, o personagem escritor, aquele que escreve sobre o menino que um dia fora, não quer lançar luz sobre si mesmo. Portanto, nem King. Gordie não deseja exaltar as glórias de ser um autor renomado, de ter realizado seu sonho infantil. Gordie é pálido. Relutante. Seu mundo se desvanece, aos poucos, dia após dia. Menos um ponto luminoso, no centro da trama-memória. Uma pessoa, morta há muitos anos: Chris Chambers, seu melhor amigo.

“Nunca mais tive amigos na vida, como os que eu tinha aos 12 anos. E alguém tem?” A frase que encerra a adaptação cinematográfica da obra literária nos desvenda seu mistério. Adulto e pensativo, é para seu amigo de infância que LaChance olha, o tempo todo. É para Chambers que ele narra essa história, a que viveram juntos, mas que se alterou e continuou se modificando, depois da morte de Chris. Ao confrontar a realidade da escrita como profissão, o tédio como companheiro, a solidão da maturidade, Gordie LaChance escreve porque, em seu teatro interior, é novamente um menino de 12 anos, empolgado ao relatar sua nova história ao melhor amigo. Feliz e apaziguado pelo reencontro, busca a certeza de que, mesmo tendo alcançado muitos leitores, foi sempre Chris Chambers que, verdadeiramente, o ouvia, o enxergava, o encorajava a ser quem ele era. Nem tudo é sobre o escritor. Muitas vezes, é sobre por onde seu olhar passeia. Sobre quem ele procura. Quase sempre, é sobre a cumplicidade genuína, tão rara e tão frágil, que só consegue existir uma vez, em toda uma vida.

Um artigo em homenagem ao Dia do Escritor

Olivia Batista de Avelar. Escritora membro da Academia Cachoeirense de Letras

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